Meditações Dominicais
Neste 26.º Domingo do Tempo Comum, a Igreja proclama o Evangelho de São Lucas, capítulo 16, versículos de 19 a 31. Trata-se da passagem a respeito do pobre Lázaro e do rico epulão, isto é, o rico “banqueteador”. Pois bem, essa parábola, no contexto de São Lucas, fala-nos da misericórdia derramada sobre nós.
No capítulo 15, o evangelista contou suas famosas três parábolas da misericórdia: a da Ovelha Perdida, a do Dracma Perdido e a do Filho Perdido (o Filho Pródigo). São metáforas que nos mostram como Deus nos dá a sua misericórdia; mas agora, com o pobre Lázaro, o Evangelho nos fala como nós podemos ser misericordiosos com os nossos irmãos.
No domingo passado, lemos a parábola do administrador desonesto, onde Jesus, fazendo uma ponte para a leitura deste domingo, ensina-nos a fazer amigos nas moradas celestes com o dinheiro das esmolas. Esse é justamente o conteúdo da parábola do pobre Lázaro.
Em primeiro lugar, Jesus nos apresenta o contexto: “Havia um rico que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias”. Ora, o rico vestido com roupas de púrpura e de seda, banqueteando-se todos os dias, contrasta com o pobre Lázaro que, vivendo à porta do rico, cheio de feridas, só podia se alimentar das migalhas que caíam da mesa durante as refeições suntuosas. A situação de Lázaro era tão lastimável que os cães vinham lamber-lhe as feridas.
E o contraste não poderia ser maior: em vez de roupas finas e elegantes, a roupa do pobre são suas feridas; no lugar de fartos banquetes, o alimento do pobre são as migalhas. Mas existe também um outro contraste que, de tão sutil, geralmente não notamos: o rico não tem nome. Geralmente, acontece o contrário, isto é, os ricos todos têm nome, são reconhecidos e louvados; mas os pobres não passam de uma massa anônima. No entanto, aqui o pobre recebe nome: Lázaro, que no hebraico original, Eleazar, quer dizer “Deus é meu auxílio”.

São Lucas destaca um fato interessante: o pobre estava à porta do rico. Ou seja, para entrar em casa, o homem rico tinha de praticamente passar por cima de Lázaro. Essa imagem nos coloca diante da total falta de compaixão e de empatia daquele rico. Mesmo vendo o sofrimento e a humilhação de Lázaro, o rico não se dignou a fazer nada para ajudá-lo. Vale observar também que esse homem abastado não se contentava em ter posses, por isso as esbanjava.
É importante observarmos isso, porque a doutrina da Igreja nos recorda de que aquilo que para nós é fartura, na verdade é uma dívida que temos com os pobres. Temos, portanto, um dever social com os nossos bens. Sim, espiritualmente falando, nosso dever vai além do âmbito material, é o dever de amar o nosso próximo, não encará-lo com indiferença. Ou seja, é preciso ter compaixão.
Ao morrerem, os dois têm destinos diferentes: o pobre é levado pelos anjos para junto de Abraão; e o rico, simplesmente enterrado. Temos aqui novamente um grande contraste. Em vida, ninguém queria estender a mão para aquele mendigo caído à entrada da casa do homem abastado, onde tinha suas feridas lambidas pelos cães. Mas agora, eis que Lázaro é levado pelos anjos. Aliás, esse trecho de São Lucas é recordado pela Igreja no Ritual de Exéquias, durante o sepultamento, quando pedimos que os anjos levem o falecido ao seio de Abraão.
Pois bem, diante desse contraste, somos chamados a ler a realidade à luz da fé, pois vivemos numa sociedade enfeitiçada pelo ter, pelo bem-estar meramente físico proporcionado por este mundo. O Evangelho, porém, afirma que Deus quer despedaçar essa nossa ilusão sobre a vida, cravando os nossos pés no chão da realidade. E o Senhor usa um meio eficiente para nos despertar: a morte. Sim, porque ela revela o nosso verdadeiro estado, onde estão as nossas verdadeiras riquezas.
Quando temos dificuldade em nos libertar da avareza, os Santos Padres nos convidam a meditar sobre a morte. Ora, a melhor forma de nos desapegarmos das coisas do mundo é meditando sobre a finitude da vida, porque ela nos obriga a fincar os pés na realidade, que é justamente o que Jesus está fazendo nesta parábola. Aqui, os papéis se invertem: atormentado na região dos mortos, o rico, olhando para cima, vê Lázaro ao lado de Abraão, então ele suplica: “Pai Abraão, tem piedade de mim, manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas!” (Lc 16, 24).
Durante a vida, o homem abastado oferecia banquetes, vivia plenamente saciado, enquanto Lázaro só tinha as suas feridas. Mas agora, tudo o que o rico quer é o alívio que pode ser proporcionado pela ponta do dedo de Lázaro. Esse contraste mostra claramente que a nossa esperança não está neste mundo. O nosso próximo nos pede para encará-lo como parte de nós. Desse modo, esta parábola nos ensina a viver a compaixão.
O interessante é que o enfoque do relato não está na indiferença materialista, nem no rancor de uma espécie de “luta de classes” para fazer justiça social. Jesus nos apresenta uma solução que não é nem o capitalismo selvagem, nem o marxismo militante: é o caminho da compaixão. Mas, quando o rico apela para a compaixão de Abraão, já é tarde demais, porque ali as coisas se fizeram definitivas.
E aqui é preciso explicar o seguinte: essa oração que o rico está fazendo, pedindo que seja liberto da condenação eterna, não é o tipo de oração dos condenados ao Inferno. Eles não suplicam para que Deus os livre do Inferno; se rezam nesse sentido, é sempre de forma interesseira, pois neles não há verdadeiro arrependimento. Sim, o diabo e os condenados às chamas eternas podem querer se safar do sofrimento, mas não querem abraçar Deus, a verdade e o amor. Aliás, esse abismo entre o Céu e o Inferno, sobre o qual fala Abraão: “Há um grande abismo entre nós. Por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós e nem daí poderiam atravessar até nós” (Lc 16, 26), é a própria rejeição do amor. No Inferno, existe uma invencível resistência ao amor, à graça de Deus. Portanto, essa oração do homem rico no Inferno não é nem um pouco sincera. Sobre isso, ainda teríamos muito o que meditar.
Quando rezamos por alguém falecido, não estamos pedindo a salvação da alma do finado, porque o destino dele já foi definido na hora da morte. A esperança da oração só pode surtir efeito enquanto a pessoa estiver viva. Sim, rezamos pelos mortos, mas porque entendemos que as almas da maior parte das pessoas salvas estão no Purgatório, purificando-se para entrar no Céu. Então, só há dois caminhos depois da morte: a salvação ou a condenação eterna.
E é justamente isso que Abraão nos ensina: “Filho, lembra-te que recebeste os teus bens durante a vida, e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado” (Lc 16, 25). A parábola está nos falando aqui dos bens necessários. Ou seja, todos nós, por mais pecadores e duros de coração, temos a graça suficiente para mudar de vida e voltar para Deus. Aliás, anunciamos o Evangelho justamente para despertar essa graça no coração das pessoas; elas já têm a graça necessária, basta começar a dar ouvidos para a voz de Deus.
Outro ponto relevante na parábola é a insistência do homem abastado: “‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa dos meus pais, porque eu tenho cinco irmãos; manda preveni-los para que não venham também eles para esse lugar de tormento’. Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os profetas, que os escutem!’” (Lc 16, 27-29). Hoje, diríamos que eles têm os pregadores da Igreja, os Apóstolos, que são os bispos, o Magistério, os próprios Evangelhos; eles têm a vida dos santos, os sacramentos, as missões. Que os escutem! Essas são as graças suficientes que já foram enviadas por Deus. Então, se Ele enviar também meios extraordinários, as pessoas não vão crer, porque não querem realmente ouvir. A insistência do homem é inútil, ele chega a pedir ao Pai Abraão que envie Lázaro ressuscitado para pregar à sua família. Se eles não escutaram nem Moisés, nem os profetas, não vão crer nem mesmo se alguém se levantar do túmulo para pregar. Nesse ponto, Nosso Senhor está profeticamente mostrando a situação de desgraça e incredulidade dos judeus, que não foram capazes de crer no Cristo nem mesmo depois de sua Ressurreição.
Os judeus também agiram assim com outro Lázaro, que de fato ressuscitou: o irmão de Marta e de Maria. Ao verem o homem que havia voltado dos mortos pelo poder de Cristo, os fariseus começaram a fazer planos para matá-lo, escondendo, por assim dizer, as evidências de que Jesus era verdadeiramente o Messias, o Filho de Deus.
Por fim, a conclusão desta parábola nos fala também da realidade da malícia. Ou seja, o Criador nos fez para termos fé, para nos abrirmos à sua Palavra; porém, muitos de nós, por pura malícia, não cremos, mesmo quando temos todos os meios para crer.
É por isso que, neste domingo, professamos esta verdade católica tão esquecida: o Inferno existe. Pregando que Deus é amor, muitas pessoas se enganam, pois acham mesmo que um Deus de amor jamais condenaria alguém às chamas eternas do Inferno. Ora, o Inferno existe não por falta de amor divino, mas por causa do nosso egoísmo. Sim, o Deus de amor não criou esse lugar de tormento eterno; o Inferno é uma invenção angélica. O Criador nos fez livres e nos convida sempre a amá-lo, mas infelizmente também podemos fazer mau uso da nossa liberdade.
Podemos fazer como Satanás e seus anjos, que não creram no amor de Deus, colocando-se como rivais. Fechados em nós mesmos, podemos não crer no amor que vimos nas parábolas contadas por São Lucas. Sim, ficamos fechados em nós mesmos porque estamos à procura de uma felicidade mundana, por isso jamais viveremos esse amor que é dado por Deus.
Desse modo, insensíveis ao amor divino, que podemos receber por meio da fé, também seremos incapazes de transmitir o amor aos nossos irmãos, como deveria ser.
Fizemos quase uma revisão do Catecismo da Igreja, especialmente os Novíssimos (Céu, Inferno e Purgatório), que falam sobre as últimas coisas, sobre a morte. Mais do que lançarmos luz sobre esses temas, é preciso ter uma profunda confiança no fato de que todos nós já recebemos graça suficiente para corresponder ao amor de Deus, e que a forma mais eficiente de amar a Deus é amando-o concretamente nos irmãos. Nosso Senhor nos amou e, para amá-lo de volta, Ele nos deu o irmão como um “sacramento”.
Padre Paulo Ricardo