Meditações Dominicais – XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano A
De um modo ou de outro, a Palavra do Senhor sempre nos fala da vida, nos revela o sentido, nos mostra o caminho. Hoje, o Cristo Senhor nos apresenta a existência como um punhado de talentos, de dons, de oportunidades que a providência gratuita e misteriosa de Deus colocou em nossas mãos para que façamos frutificar.
Certamente, jamais compreenderemos por que nascemos desse modo ou somos daquele outro. A vida é um mistério tremendo, Irmãos; tão tremendo, que o Salmista geme, entre admirado e oprimido:
“Ainda embrião Teus olhos me viram e tudo estava escrito no Teu livro; meus dias estava marcados antes que chegasse o primeiro. Como são profundos para mim Teus pensamentos, como são grandes seu número, ó Deus!” (Sl 139/138,16s)
Podemos, no entanto, ter a certeza de que o Senhor nos deu uma vida, “a cada um de acordo com a sua capacidade“.
Ora, é esta vida, dom de Deus, fruto de um desígnio de amor sem fim, que cada um de nós deve responsavelmente cultivar e fazer frutificar em benefício nosso de dos irmãos. Na mulher forte e industriosa da primeira leitura, aparece um exemplo de alguém que não se contenta simplesmente em passar pela vida, mas vai tecendo o fio da existência com as pequenas fidelidades de cada dia: como essa mulher da leitura, devemos nós, tornar nossa vida fecunda de bem, fecunda de serviço a Deus e aos irmãos. Do mesmo modo, a segunda leitura chama-nos atenção para o fato que nos serão pedidas contas da vida, dom recebido de Deus. Daí, o conselho:
“Não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios”
Caríssimos, uma das grandes tentações do mundo atual é pensar que a existência é nossa de modo absoluto, como se cada um de nós se tivesse criado a si próprio, dado a si próprio a existência. Fechados em si próprios, os homens pensam que podem ser felizes construindo a vida de seu próprio modo, à medida de suas próprias ideias, medidas e objetivos. Ilusão! A vida é dom de Deus e somente nos faz felizes se dela fizermos um diálogo amoroso com o Senhor, Autor e Doador de nosso ser. Mais que talentos na vida, o Senhor nos concedeu a própria vida como um precioso talento! Desenvolvê-lo e ser feliz e buscar não a nossa própria satisfação, não nossa própria medida, não nosso próprio caminho, mas fazer da existência uma busca amorosa e cheia de generosidade da vontade de Deus.
Eis! Somente seremos felizes e maduros quando tivermos a capacidade de arriscar verdadeiramente nos perder, nos deixar para nos encontrar no Senhor, alicerce e fonte de nossa vida. Eis o verdadeiro investimento!
Infelizmente, a dinâmica do mundo hodierno, pagão e ateu, não no ajuda nessa direção. Há distração demais, novidade demais, produto demais a ser consumido; há preocupação demais com uma felicidade compreendida como satisfação de nossos desejos, carências e vontades. Há consciência de menos de que a vida é dom e serviço, doação e abertura para o Infinito; há percepção de menos de que aqui estamos de passagem e de que lá, junto ao Senhor, é que permaneceremos para sempre. Atolamo-nos de tal modo nos afazeres da vida, no corre-corre de nossas atividades, no esforço por satisfazer nossas vontades, na busca de nossa autoafirmação, que perdemos a capacidade de compreender realmente que somos passageiros e viandantes numa existência breve e fugaz que somente valerá a pena será vivida na verdade se for compreendida como abertura para o Senhor e, por amor a ele, abertura generosa e servidora para os outros.
Caríssimos, estejamos atentos à advertência do Apóstolo: “Vós, meus irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia”
O Dia é Cristo, a Luz é Cristo. Viver na luz, viver no dia é viver na perspectiva de Cristo Jesus, é valorizar o que Ele valoriza e desprezar o que Ele despreza. Filhos da Luz, filhos do Dia, do Dia eterno – eis o que deveríamos ser! Deveríamos viver os dias da nossa vida iluminando-os com a esperança do Dia eterno, que levará à consumação e à plenitude os dias fugazes de nossa existência! Mas, com tanta frequência nossa mente e nosso coração, nossos pensamentos e nossos afetos encontram-se entenebrecidos como o dos pagãos… Quão grave para nós, porque conhecemos a Luz, que cremos no Dia que é o Cristo-Deus!
Não nos iludamos, não façamos de conta que não sabemos: todos haveremos de dar contas a Deus de nossa existência, do sentido que lhe demos, daquilo que nela construímos. Queira Deus que nossa vida seja como a do Cristo Jesus: uma verdadeira e amorosa abertura para Deus e uma abertura para os outros! Queira Deus que consigamos, iluminados pela Sua Palavra, nutridos pela Sua Eucaristia e animados pela oração diária, viver nossa existência na perspectiva de Deus, de tal modo que vivamos, vivamos de verdade, vivamos em abundância, vivamos uma vida que valha a pena!
Que o Senhor no-lo conceda pela Sua graça. Amém.
D. Henrique Soares da Costa