No calendário romano tradicional, três domingos antes da Quarta-feira da Cinzas, a Igreja já começa a se preparar para a Quaresma: os sacerdotes trocam o verde pelo roxo e não se canta mais nem o Aleluia nem o Glória. É o Domingo da Septuagésima.
Nós planejamos com certa antecedência todos os eventos importantes, como férias e festas de aniversário. Em geral, quanto mais significativo for o evento, mais tempo e esforço investimos para prepará-lo. Não chamaríamos de “sábio” o idoso que nunca pensou na própria aposentadoria ou o aluno que só estuda poucas horas antes da prova. As principais festas litúrgicas da Igreja são grandes eventos e, por isso, também exigem uma considerável preparação. À Páscoa, por exemplo, que é a maior festa de todas, precede um tempo de preparação longo e importante: a Quaresma. E como a Quaresma, por sua vez, também é importante, preparamo-nos para ela com certa antecedência.
Por muitos séculos, no calendário romano tradicional, houve um período pré-quaresmal vivido alguns domingos antes da Quarta-feira de Cinzas, nos quais já se antecipava na Igreja parte da austeridade penitencial da Quaresma. O terceiro domingo antes da Quarta-feira de Cinzas se chamava Septuagésima [1], em referência ao “septuagésimo” dia antes da Páscoa, e assim sucessivamente a Sexagésima (“sexagésimo” dia) e a Quinquagésima (“quinquagésimo” dia). Desse modo, todo o tempo da Quaresma recebia o nome de Quadragésima.
Obviamente, o leitor atento deve estar coçando a cabeça e pensando: “Os nomes a cada domingo de dez em dez. Mas existem apenas sete dias na semana. Como então vamos do Domingo da Septuagésima ao da Sexagésima em apenas sete dias?”
Pensemos um pouco melhor. Decerto os nossos antepassados tinham bons motivos para usar essa nomenclatura:
- O Domingo da Septuagésima é o 63.º (sexagésimo terceiro) dia antes da Páscoa e, portanto, enquadra-se no 7.º (septimus) período de dez dias, situando-se entre o 61.º (sexagésimo primeiro) e o 70.º (septuagésimo) dia antes da Páscoa;
- O Domingo da Sexagésima é o 56.º dia antes da Páscoa e encontra-se no 6.º (sextus) período de dez dias, entre o 51.º (quinquagésimo primeiro) e o 60.º (sexagésimo) dia antes da Páscoa;
- O Domingo da Quinquagésima é o 49.º (quadragésimo nono) dia antes da Páscoa e situa-se no 5.º (quintus) ciclo de dez dias, entre o 41.º (quadragésimo primeiro) e o 50.º (quinquagésimo) dia antes da Páscoa.
Entretanto, todo o tempo da Quaresma é chamado tecnicamente de Quadragésima, embora haja mais de 40 dias entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa. Para se aproximar desse número, é preciso contar os dias da Quaresma excluindo os domingos e o Tríduo Pascal, que constitui um tempo litúrgico à parte.
Na liturgia tradicional, durante a pré-Quaresma, a Missa dominical já é celebrada com paramentos roxos, embora as Missas semanais não o sejam. Na Santa Missa e no Ofício, cessa o cântico de Aleluia até a Páscoa [2]. Os domingos têm estações romanas [3], assim como todos os dias da própria Quaresma. Nesses domingos, nos tempos antigos, os catecúmenos eram levados à estação prescrita, a fim de participar da Missa e ouvir leituras robustas e orações cada vez mais profundas, passando assim por uma catequese que os ajudava a compreender o que ouviam. As orações e leituras para as Missas dos domingos pré-quaresmais foram compiladas por São Gregório Magno, Papa numa época de grande turbulência e sofrimento, marcada pela migração em massa e pela guerra, o que nos recorda os tempos atuais.
Quanto ao Aleluia, há um costume encantador — que, felizmente, vem sendo restaurado — de omiti-lo desde as Primeiras Vésperas da Septuagésima até a Vigília do Sábado Santo. Há uma tradição de “enterrar” o Aleluia, com uma cerimônia de deposição, como se fosse um pequeno funeral. Nesta cerimônia, canta-se um hino de despedida e, após uma procissão com cruz e velas, um caixão enfaixado com a inscrição de um “Aleluia” é aspergido, incensado e enterrado [4].
No calendário pós-conciliar, correspondente ao Novus Ordo do Papa Paulo VI, não existe mais a pré-Quaresma. Foi uma grande perda, tal como a retirada da Oitava de Pentecostes. Não se tratou, conforme exigia a Constituição Apostólica Sacrosanctum Concilium, de uma mudança orgânica, desenvolvida a partir de práticas anteriores ou em benefício dos fiéis.
No entanto, com o documento Summorum Pontificum, de 2007, um presente do Papa Bento XVI, os domingos pré-quaresmais estão recuperando parte de sua antiga posição. Os que optam por seguir o calendário tradicional mais antigo gozam do benefício da pré-Quaresma [5].
Em termos práticos, a pré-Quaresma nos proporciona um período de transição que facilita nossa disciplina quaresmal. Este importante tempo nos leva a pensar no que faremos durante a Quaresma, antes mesmo de começar, e não no dia seguinte à Quarta-Feira de Cinzas. Podemos considerar a pré-Quaresma um tempo para organizar nossa jornada quaresmal. Assim, quando chegar a Quarta-feira de Cinzas, estaremos prontos, com um plano em mãos. Comecemos, pois, desde agora a nos preparar.
Fonte: padrepauloricardo.org