Eis o madeiro da cruz, no qual esteve pendente a salvação deste mundo. Vinde, adoremos! Doces cravos e madeiros, que doce peso sustendes!
A Sexta-feira Santa é um dia em que a Igreja nos deseja ensinar que todos podemos estar unidos ao mistério da Paixão de Cristo, não só pelos sofrimentos e cruzes que já carregamos, mas também pelo ato de fé. Isso se vê, de modo especial, pela própria estrutura da liturgia que hoje celebramos. Deve-nos chamar a atenção, com efeito, o fato de a Igreja, no dia mesmo em que Cristo consumou pela cruz sua entrega ao Pai, não renovar sacramentalmente o sacrifício redentor da Paixão. Ouvem-se as leituras, medita-se longamente sobre a morte do Filho de Deus encarnado, intercede-se pelo mundo inteiro, adora-se a cruz e, por fim, comungam os fiéis o Corpo e o Sangue do Salvador, mas sem a renovação incruenta do sacrifício cruento de que hoje se faz memória. Com isto, quer-nos ensinar a Santa Igreja que podemos, sim, estar unidos à Paixão do Senhor de muitas maneiras. Uma delas, por certo a mais sublime e perfeita, é a celebração eucarística; mas também a oração íntima a Deus, feita numa pobre capela ou mesmo num cômodo discreto em casa, nos pode unir, mediante a fé com que rezamos, ao amor sacrificial de Jesus Cristo. Por isso, a liturgia de hoje, fazendo descansar os altares sobre os quais se imola dia após dia o Cordeiro de Deus, não se limita a ser um ato “comunitário”, senão que é e deve ser, antes e fundamentalmente, um encontro pessoal de cada fiel com o Senhor crucificado.
As leituras já nos convidam a isso e preparam-nos o espírito para a recepção física de Cristo na Eucaristia, porque a escuta atenta e piedosa da Palavra de Deus, como nos demonstram em várias passagens as SS. Escrituras, é uma forma não menos real e profunda de encontrar-se com Jesus: “Não se nos abrasava o coração, quando Ele nos falava pelo caminho?” (Lc 24, 32). Uma vez em contato com Cristo pela fé em sua Palavra, a Igreja nos chama em seguida a interceder pelo mundo todo, a exemplo do mesmo Cristo, que com os braços estendidos na cruz abarca de um a outro extremo da terra, sem deixar um único homem sequer privado do seu amor salvífico. Acolhendo na fé a Palavra de Deus, nós recebemos este mesmo amor, para depois o fazermos transbordar, com ainda mais fé, sobre todos os que infelizmente ainda não creem nem se aproveitam dos frutos copiosíssimos da Redenção. À fé com que ouvimos e rezamos vem somar-se ainda a fé com que neste dia jejuamos com especial rigor, a fim de que os nossos pobres méritos percam-se e fundam-se com os méritos infinitos daquele que hoje padece, não só fome física, mas fome e sede do amor de tantos que o não amam, que nele não crêem, que nele não esperam, que o não adoram. E é por isto, como manifestação da caridade que lhe temos e para reparar a falta de caridade com que muitos o desprezam, que antes da comunhão a Santa Madre Igreja nos dá a alegria de adorarmos a santa cruz, símbolo do madeiro bendito em que esteve pendente a salvação deste mundo tão ingrato àquele que tanto o ama.
Assim, depois de todos estes gestos e cerimônias, ordenados a nos excitar e alimentar a fé, temos por fim a graça de nos unir fisicamente na Eucaristia àquele a quem já estamos espiritualmente unidos por tantos atos de fé, de esperança e de caridade, como uma esposa que se une ao Esposo num doce e íntimo colóquio, onde podemos consolar ao Cristo que sofre com o pouco de amor que lhe somos capazes de dar. Que hoje, tanto nas leituras e na oração quanto na adoração e na comunhão, Ele nos encontre, não só de corpo presente, mas de mente desperta e coração disposto, prontos para nos deixarmos configurar à sua cruz a abrasar pela caridade infinita manifestada no seu mistério pascal. — Dulce lignum, dulce clavos, doces cravos e madeiro, que doce peso sustendes!
Assista a pregação do Padre Paulo Ricardo no link abaixo:
https://padrepauloricardo.org/episodios/como-estar-unido-a-cristo-na-sexta-feira-santa