Palavra gasta, hoje em dia, a palavra amor. Ela está nas novelas da TV, nas canções, na boca dos jovens… Em seu nome, pregam-se as maiores aberrações e fazem-se as coisas mais egoístas. Amor, hoje, tornou-se, muitas vezes, sinônimo de paixão, sexo, sentimentalismo… Com o amor justifica-se a infidelidade, a falta de compromisso, a depravação, a destruição da família, o abandono de valores e dos compromissos assumidos… O amor vale mais-que-tudo – justifica-se! Mas, trata-se, realmente de amor?
Com acuidade perceptiva, o Papa Emérito Bento XVI, com sabedoria e acuidade tão atuais, já chamou atenção que amor é paixão, é sim, êxtase, mas não a paixão irracional, cega, centrípeta ou o êxtase do inebriamento irracional, irresponsável, entorpecido. Ao invés, é paixão porque é totalizante, entusiástico, envolvente; é êxtase porque é um sair de si, um esquecer-se de si, com liberdade, maturidade e entrega, para doar-se a Deus e aos outros. Só este êxtase, este sair, é digno do amor e é fruto do verdadeiro amor. Como disse e fez Jesus, “não há maior prova de amor que dar a vida…” O resto é egoísmo disfarçado. O verdadeiro amor amadurece, liberta, gera vida; o falso, infantiliza, escraviza, mata…
Penso que poderíamos exprimir bem a beleza, doçura e sentido profundo do amor verdadeiro com as palavras de São Bernardo de Claraval, monge cisterciense e grande místico do século XII: “O amor basta-se a si mesmo, em si e por sua causa encontra satisfação. É seu mérito, seu próprio prêmio. Além de si mesmo, o amor não exige motivo nem fruto. Seu fruto é o próprio ato de amar. Amo porque amo, amo para amar! Grande coisa é o amor, contanto que vá a seu Princípio, volte à sua Origem, mergulhe em sua Fonte, sempre beba donde corre sem cassar. De todos os movimentos da alma, sentidos e afeições, o amor é o único com que pode a criatura, embora não condignamente, responder ao Criador e, por sua vez, dar-lhe outro tanto. Pois, quando Deus ama não quer outra coisa senão ser amado, já que ama para ser amado; porque sabe que serão felizes pelo amor aqueles que O amarem”.
Perfeita, a percepção de São Bernardo: Grande coisa é o amor, contado que vá a seu Princípio: Deus; contanto que volte à sua Origem: Deus! O verdadeiro amor, mais que o coração humano, tem sua fonte no próprio coração de Deus e mais que parar no objeto amado, tem seu termo no próprio Deus. É o amor que, em última análise, nos faz imagem de Deus.
Quem dera que nós, olhando o Cristo crucificado, de coração e braços abertos, morrendo para dar vida, reaprendêssemos o verdadeiro e definitivo sentido do substantivo amor e do verbo amar.
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares (PE)