XXII Domingo do Tempo Comum
Renuncia. Cruz. Sacrifício. São sinônimos da palavra “amor”. O Evangelho de hoje nos coloca naquelas dimensões do amor mais profundo e, portanto, autêntico. No centro de todo amor verdadeiro encontra-se o mistério da cruz, que é doação e entrega. Ao contrário do narcisismo, a caridade é principalmente “ágape”, amor oblativo. Já que falamos do narcisismo, é bom conhecer a lenda de Narciso, filho do rio Cefiso e de Leríope. Conta-se que esse jovem tinha uma beleza tão arrebatadora que ele mesmo, vaidoso de si, amou-se com tanto arroubo que, ao esquecer-se das necessidades mais básicas, acabou morrendo de fraqueza, mas contemplando-se a si mesmo com transportes de êxtase. “Isso sim que é exemplo de idiota!” – dirá alguém. E eu não poderei menos que concordar!
Um pai de família que está sempre pensando em si mesmo, nas suas coisas, nas suas vaidades, nas suas festas e nas suas coisinhas de trabalho e que, consequentemente, já não dá atenção à esposa e aos filhos, não se preocupa com a educação dos filhos, omite os detalhes de cortesia com os companheiros de trabalho, não procura escutar as preocupações da sua esposa com paciência e compreensão, esse tal ainda não compreendeu nem vivenciou as palavras de Jesus sobre a renúncia a si mesmo para segui-lo de perto, neste caso na vocação matrimonial. E a esposa que só olha para si mesmo e confia a educação dos filhos a terceiros, mas de maneira irresponsável; que faz questão de ser narcisista da própria beleza em salões que a detêm quase por tempos indeterminados; ou que já não se arruma e procura estar bonita para o próprio esposo; que não faz aquela comidinha que ele gosta tanto… Como poderá esperar a recompensa do nosso Pai do céu a uma caridade ativa (cfr. Mt 16,27)?”
Um jovem que não compreendeu a força do amor de Deus sempre encontra o amor cristão um pouco absurdo. Claro! Enquanto ele entender o amor como satisfação dos próprios apetites, o amor de Deus lhe parecerá, no pior dos casos, inclusive odioso. Neste sentido, uma das melhores maneiras de aprender a caridade é sendo generoso de verdade. Como é importante visitar os enfermos e compreender a alegria de fazer os outros alegres. É interessante visitar algum orfanato para aprender a generosidade de um sorriso infantil que nada pede. Cuidar dos outros e pensar neles, em como ajudá-los melhor, é, na verdade, um excelente remédio para descomplicar-se a si mesmo. Ainda que no começo se realize essas atividades de caridade pensando em si mesmo, pouco a pouco a força do amor convencerá do contrário: é preciso doar-se; é na entrega singela que se encontra a felicidade autêntica.
E o mesmo se diga com tantas outras coisas na nossa vida. Essas palavras de São Gregório Magno referidas a São Paulo são elucidativas: “[Paulo] suporta no exterior adversidades. Pois é rasgado pelas chicotadas, preso em cadeias. No interior, sente o medo de que seus sofrimentos sejam obstáculos não para si, mas para os discípulos… Ó entranhas de imensa caridade! Não se importa com aquilo que ele mesmo sofre e cuida de que os discípulos não sofram de alguma ideia perniciosa no coração. Despreza em si as feridas do corpo e sara nos outros as feridas do coração. Os justos têm isto de próprio: na dor de suas tribulações, não abandonam o interesse pelo bem do outro; e, sobretudo, estão atentos a ensinar o necessário aos outros e sofrem como grandes médicos doentes. Em si toleram as feridas profundas e prescrevem a outros os medicamentos salutares” (S. Gregório Magno, “Moralia in Iob”, 3, 39-40).
Escutei esta frase quando era um adolescente: “quem busca um Cristo sem cruz acabará encontrando uma cruz sem Cristo”. Passaram-se os anos, mas continuo convencido de que a frase é verdadeira. Além do mais, as pessoas que não amam a Deus e aos seus semelhantes também sofrem. Mas – pergunta-se – qual é o sentido do seu sofrimento? E no caso do cristão, acaso o sentido para os seus padecimentos e alegrias não se encontra no Cristo que nos salvou? Certamente. Ele se entregou por amor. Agora é a nossa vez: por amor também!
Pe. Françoá Costa