O que é narrado nesse texto do Evangelho (Mt 9,36 – 10,8), deve ter acontecido muitas vezes enquanto o Senhor percorria cidades e aldeias pregando a chegada do Reino de Deus: ao ver a multidão, encheu-se de compaixão por ela, comoveu-se no mais íntimo do seu ser, porque estavam cansadas e abatidas como ovelhas que não têm pastor, profundamente desorientadas. “Jesus chamou os Doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade” (Mt 10, 1). Quando Jesus chamou os Doze, queria referir-se simbolicamente às tribos de Israel, que remontam aos doze filhos de Jacó. Por isso, pondo os Doze no centro da sua nova comunidade, Ele faz compreender que veio para completar o desígnio do Pai Celeste, embora só em Pentecostes há de aparecer o novo rosto da Igreja: quando os Doze, “cheios do Espírito Santo”, proclamarem o Evangelho, falando todas as línguas (At 2, 3 – 4). Então, manifestar-se-á a Igreja Universal, reunida num único Corpo do qual Cristo ressuscitado é a Cabeça e, ao mesmo tempo, por Ele enviada a todas as nações, até aos extremos confins da Terra (Mt 28, 20).
Encheu-se de compaixão, ou condoeu-se dela: o verbo grego é profundamente expressivo: ”comover-se nas entranhas”. Jesus, com efeito, comoveu-se ao ver o povo, porque os seus pastores, em vez de o guiarem e cuidarem dele, o desencaminhavam, comportando-se mais como lobos do que como verdadeiros pastores do seu próprio rebanho. Fica claro, nesse texto do Evangelho, o estilo de Jesus fazer missão: o estilo da “compaixão”. O Evangelista Mateus frisa-o, chamando a atenção para o olhar que Cristo dirige às multidões: “Vendo as multidões”, ele escreve, “Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9, 36). E, depois da chamada dos Doze, reaparece esta atitude no mandato que Ele lhes dá, de se dirigirem “às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10, 6). Nestas expressões sente-se o amor de Cristo pela sua gente, especialmente pelos pequeninos e pelos pobres. A compaixão cristã nada tem a ver com o pietismo, com o assistencialismo. Pelo contrário, é sinônimo de solidariedade e de partilha, e é animada pela esperança. A Palavra que Jesus dirige aos Apóstolos, “Ide e anunciai: ‘O Reino do Céu está próximo’” (Mt 10, 7), nasce da esperança. É uma esperança que se fundamenta na vinda de Cristo, e que em última análise coincide com a sua Pessoa e com o seu Ministério de Salvação onde Ele é o Reino de Deus, é a novidade do mundo!
“Se fôssemos consequentes com a nossa fé, quando olhássemos à nossa volta e comtemplássemos o espetáculo da História e do Mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer nos nossos corações os mesmos sentimentos que animaram o coração de Jesus Cristo” (São Josemaria Escrivá, Cristo que passa, 133). Com efeito, a consideração das necessidades espirituais do mundo deve levar-nos a um infatigável e generoso trabalho apostólico.
A dificuldade é, que agora, como nos tempos de Jesus, os trabalhadores são poucos em proporção com a tarefa. A solução é dada pelo próprio Senhor: Orar, rogar a Deus, Dono da messe, para que envie trabalhadores para a colheita. Será difícil que um cristão, que se ponha a rezar de verdade, não se sinta urgido a participar pessoalmente neste trabalho apostólico!
Na verdade, recorda-nos São Paulo VI: “A responsabilidade da difusão do Evangelho que salva é de todos, de todos os que o receberam. O dever missionário recai sobre todo o Corpo da Igreja. De maneira e em medidas diferentes, é certo; mas todos, todos devemos ser solidários no cumprimento deste dever. Assim pois, que a consciência de cada crente se pergunte: Tenho cumprido o meu dever missionário? A oração pelas Missões é o primeiro modo de pôr em prática este dever.”
O Papa Bento XVI disse que “a messe existe, mas Deus quer servir-se dos homens, a fim de que ela seja levada ao celeiro. Deus tem necessidade de homens. Precisa de pessoas que digam: Sim, estou disposto a tornar-me o teu trabalhador na messe, estou disposto a ajudar a fim de que esta messe que está a amadurecer nos corações dos homens possa verdadeiramente entrar nos celeiros da eternidade e tornar perene comunhão divina de alegria e de amor”. Continua Bento XVI: “ Rogai, portanto, ao Senhor da Messe”! Isto quer dizer também: não podemos simplesmente “produzir” vocações, elas devem vir de Deus. Não podemos, como talvez em outras profissões, por meio de uma propaganda bem orientada, mediante, por assim dizer, estratégias adequadas, simplesmente reclutar pessoas. O chamado, partindo do coração de Deus, deve sempre encontrar o caminho até o coração do homem”. São João Paulo II convidou: “Meus caros jovens, que vós sois chamados, sois chamados por Deus. A minha vida, a minha vida como homem tem, portanto, o seu significado, quando sou chamado por Deus, com um apelo vigoroso, decisivo e definitivo: Somente Deus pode chamar assim o homem, e nenhum outro! E este apelo de Deus é feito incessantemente em Cristo e por Cristo, a cada um de vós; sede operários da messe da vossa humanidade, operários da vinha do Senhor, para participardes da colheita messiânica da humanidade”. Continua São João Paulo II: “Precisamos de ministros ordenados que sejam garantia permanente da presença sacramental de Cristo Redentor, nos diversos tempos e lugares e, com a pregação da Palavra e a celebração da Eucaristia e dos outros Sacramentos, guiem as Comunidades cristãs pelos caminhos da vida eterna. Precisamos de homens e mulheres que, com seu testemunho, conservem viva nos batizados a consciência dos valores fundamentais do Evangelho e façam emergir na consciência do Povo de Deus a exigência de responder com a santidade de vida ao amor de Deus derramado em seus corações pelo Espírito Santo”.
No Evangelho vê-se como é essencial a oração na vida da Igreja; que Jesus chama os seus Doze Apóstolos depois de lhes ter recomendado que rezassem para que o Senhor enviasse operários para a Sua messe (Mt 9, 38). Todos nós somos destinatários do desejo de Jesus, de multiplicar os trabalhadores na Messe do Senhor. Este desejo, que deve tornar-se oração, faz-nos pensar nos jovens, nos seminaristas, no Seminário; faz-nos considerar que a Igreja é, em sentido lato, um grande “seminário”, a começar pela família, até às comunidades paroquiais, às associações e aos movimentos de compromisso apostólico. Todos nós, na variedade dos carismas e dos ministérios, somos chamados a trabalhar na vinha do Senhor. Temos que pedir com frequência a Deus que se verifique no povo cristão um ressurgir de homens e mulheres que descubram o sentido vocacional da sua vida; que não somente queiram ser bons, mas se saibam chamados a ser operários no campo do Senhor e correspondam generosamente a essa chamada: homens e mulheres, velhos e jovens, que vivam entregues a Deus no meio do mundo, muitos em celibato apostólico; cristãos correntes, ocupados nas mesmas tarefas dos seus iguais, que levem Cristo ao âmago da sociedade de que fazem parte.
Toda a atividade apostólica dos cristãos deve ser, pois, precedida e acompanhada por uma intensa vida de oração, visto que não se trata de uma empresa meramente humana, mas divina. Cada vez mais a fé exige ser uma forte convicção pessoal. Se a fé foi recebida como herança familiar ou cultural, é uma dádiva importante, mas não suficiente. Ora, para dimensionar o problema, basta pensar na quantidade de católicos que, ao mesmo tempo, acreditam em reencarnação, se dizem espíritas, maçons ou marxistas, coisas que são contraditórias em si. Ou se é uma coisa ou outra; são excludentes em sua teoria e em sua prática.
“A messe é muita, mas os operários poucos… Ao escutarmos isto — comenta São Gregório Magno –, não podemos deixar de sentir uma grande tristeza, porque é preciso reconhecer que há pessoas que desejam escutar coisas boas; falta, no entanto, quem se dedique a anuncia-las” (Homilias sobre o Evangelho, 17).
As palavras do Senhor: “ A messe é grande…” têm plena atualidade nos nossos dias. Há searas inteiras que se perdem porque não há quem as recolha; daí a urgente necessidade de cristãos alegres, eficazes, fiéis à Igreja, conscientes do que têm entre mãos. E isso diz respeito a todos nós, pois o Senhor necessita de todos: de trabalhadores e estudantes que saibam levar Cristo à fábrica e à Universidade, com o seu prestígio de bons profissionais e com o seu apostolado; de professores exemplares que ensinem com sentido cristão, que dediquem generosamente o seu tempo aos alunos e sejam verdadeiros mestres; de homens e mulheres consequentes com a sua fé em cada atividade humana; de pais e mães de família que se preocupem verdadeiramente com a educação religiosa dos seus filhos, que intervenham nas associações de pais nos colégios, nas associações de bairro.
A gravidade da missão que nos incumbe deve levar-nos a fazer um sério exame de consciência: Que fiz hoje para dar a conhecer Deus? A quem falei hoje de Cristo? Preocupo-me realmente com a salvação dos que me rodeiam? Sou consciente de que muitos se aproximariam do Senhor se eu fosse mais audaz? E o Senhor continua a dizer-nos a todos nós, que a messe é muita e os operários poucos. E a messe que não se recolhe a tempo, perde-se.
São João Crisóstomo deixou-nos umas palavras que podem ajudar-nos a examinar se nos desculpamos facilmente diante desse nobre dever a que Deus nos chama: “Não há nada mais frio – diz o santo – que um cristão despreocupado da salvação alheia. Não podes aduzir como pretexto a tua pobreza econômica. Acusar-te-á a velhinha que deu as suas moedas no Templo. O próprio Pedro disse: Não tenho ouro nem prata (At 3, 6). E Paulo era tão pobre que muitas vezes passava fome e não tinha o necessário para viver. Não podes dar como pretexto a tua origem humilde: eles também eram pessoas humildes, de condição modesta. Nem a ignorância te servirá de desculpa: todos eles eram homens sem letras. Sejas escravo ou fugitivo, podes cumprir o que depende de ti. Assim foi Onésimo, e vê qual foi a sua vocação… Não invoques a doença como pretexto, pois Timóteo estava submetido a frequentes indisposições… Cada um pode ser útil ao seu próximo, se quiser fazer o que está ao seu alcance” (Homilia 20, sobre os Atos dos Apóstolos).
“Ajuda-me a clamar: Jesus, almas!… Almas de apóstolo! São para Ti, para a Tua Glória! Verás como acaba por escutar-nos” (São Josemaria Escrivá, Caminho, n. 804).
Não esqueçamos o claro mandato de Cristo: “Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos” (cf. Mt 28, 19-20). Cada um em sua vocação e sua condição. Vale para exame de consciência de cada um de nós a frase de São Paulo: “Ai de mim, se eu não anuncio o evangelho! (1Cor 9,16). Ai de mim se não levar Deus aos outros e os outros para Deus. Não se deve esquecer: vai-se para o céu ajudando a levar os outros para o céu.
Peçamos à Santíssima Virgem que nos faça entender, como dirigida a cada um de nós, essa confidência que o Senhor faz aos seus — a messe é muita –, e formulemos um propósito concreto de empreender, com urgência e constância, um esforço grande para que sejam muitos os operários no campo de Deus. Peçamos-lhe a enorme alegria de ser instrumentos para que outros correspondam à chamada que Jesus lhes faz. Que a Virgem Santa nos ajude a permanecermos no amor de Cristo, para que possamos dar frutos abundantes, para a glória de Deus Pai e para a salvação do mundo.
Mons. José Maria Pereira