Na liturgia católica, este 6 de agosto é Festa da Transfiguração do Senhor.
Eis-nos, portanto, caríssimos, com Pedro, Tiago e João, ante o Senhor nosso Jesus Cristo, envolvido pela Nuvem luminosa (cf. Lc 9,31), que cobre os discípulos com Sua sombra, como cobriu a Virgem Maria na Anunciação; eis o Senhor Jesus totalmente transfigurado, com vestes brilhantes e alvas “como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar” (Mc 9,3); eis Jesus ladeado por Moisés e Elias, totalmente glorificados na Glória do Senhor nosso Salvador…
Que significa, caríssimos, este belíssimo Mistério?
Como o Deus Santo de Israel, sobre o Monte Sinai, que revelou Sua Glória a Moisés e depois a Elias, assim também hoje, no Monte Tabor, Jesus revela a Sua Glória, a Glória de Filho de Deus, a Glória divina que é Sua, mas que se escondia na Sua pobre condição humana de Servo, por Ele assumida para nos salvar: “O Verbo Se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a Sua Glória, Glória que Ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).
Hoje, caríssimos, o Pai, envolvendo o Filho Amado com a Nuvem, símbolo do Santo Espírito, nos revela antecipadamente a Glória que Jesus nosso Senhor, na Sua natureza humana igual à nossa, teria depois da Ressurreição: “Efetivamente, Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida Glória se fez ouvir aquela voz que dizia: ‘Este é o Meu Filho bem-amado, no qual ponho o Meu bem-querer’” (2Pd 1,17).
Olhemos para Jesus: Ele é divino, Ele é o Filho amado, igual ao Pai em glória; Ele é o nosso Deus Salvador!
Se Moisés e Elias, sobre o Monte Horeb, não puderam ver o Rosto de Deus, agora, no Tabor, eles contemplam, com o rosto descoberto, a Glória fulgurante de Deus que se manifesta na Face de Cristo! Realiza-se de modo admirável nestes dois amigos de Deus da Antiga Aliança, o que nos é prometido a todos, na Nova e Eterna Aliança: “Todos nós, que com a face descoberta, contemplamos como num espelho a Glória do Senhor, somos transfigurados nesta mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação do Senhor, que é Espírito” (2Cor 3,18).
Eis, meus caros irmãos: em Cristo, Deus Se revelou a nós, que Nele cremos e Nele fomos batizados, recebendo o Seu Espírito; em Cristo, Deus veio ao nosso encontro! Ele se fez um de nós, assumiu nossa pobreza humana para nos enriquecer com a Glória da Sua divindade. E essa Glória, Ele no-la mostra hoje sobre o Tabor; essa Glória é o nosso destino, é a nossa herança! Na Ceia derradeira, pensando no Espírito de Glória que derramaria sobre Seus discípulos de todos os tempos nos Sacramentos da Igreja, o Senhor nosso diria: “Eu lhes dei a Glória que Tu me deste” (Jo,17,21). Esta Glória, nós já a possuímos realmente, mesmo que, neste mundo, ainda vejamos o Senhor de modo imperfeito, como num espelho, pois ainda “caminhamos pela fé e não pela visão (2Cor 5,7).
Mas, atenção! Nos três evangelhos que narram a Transfiguração, está dito que esta manifestação gloriosa do Senhor aconteceu pouco depois do primeiro anúncio da Sua Paixão. O que isso quer dizer? Duas coisas importantíssimas:
Primeiro, que a Paixão não é um fim, a Paixão não é derrota, mas o modo que Deus tem de vencer; a Paixão é caminho para a Glória.
E aqui, precisamente, a segunda lição: não se pode entrar na Glória de Cristo sem passar pela Cruz do Senhor; como dizia São João da Cruz: “Quem não ama a Cruz de Cristo, não verá a Glória de Cristo!”
Glória de Cristo sem Cruz, sem conversão, sem combate, sem sair de nós e de nossas medidas, simplesmente não é possível; seria uma ilusão, uma mentira! Anunciar uma salvação em Cristo, uma participação na Glória de Cristo, sem conversão, sem abraçar a Cruz de Cristo, seria uma falsa propaganda, um falso Evangelho! Não é por acaso que Jesus proíbe os discípulos de contar o que eles viram sobre o Monte “até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. É que jamais se poderá compreender a Glória de Cristo sem antes se ter participado do mistério de Sua Cruz.
Uma glória sem a experiência da Cruz seria triunfalista, antievangélica, idolátrica, mundana. Somente a Glória que brota do amor da Cruz é divina, verdadeira, libertadora, humanizadora, reveladora do Coração do Pai! Do mesmo modo, não é por acaso que Pedro, Tiago e João, que estiveram com Jesus no Tabor, deveriam também estar com Ele no Monte das Oliveiras, convidados a fazer-Lhe companhia no momento em que Ele “começou a apavorar-Se e a angustiar-Se” (Mc 14,33). Infelizmente, aqueles lá – como nós tantas vezes -, no Tabor queriam armar tendas e ficar ali; nas Oliveiras, dormiram e deixaram Jesus sozinho…
Eis, caríssimos, o sentido do Mistério de hoje! Cristo feito homem é Deus verdadeiro, vivo e perfeito, é o Deus de Israel com rosto e coração humanos. Cristo, como aparece hoje no Tabor, já nos mostra a Glória que o transfiguraria para sempre. Cristo, envolvendo Moisés e Elias com a Sua Glória, revela que é Nele que a Lei e os profetas encontram a luz e chegam à plenitude. Cristo, inundando de luz a Seus discípulos, envolve-os na Sua Glória, revelando qual o nosso destino: participar da luz da Sua Glória por toda a eternidade! Mas, tudo isso, passando pelo mistério da Cruz!
Hoje, estamos nós aqui, celebrando a Santa Eucaristia, sacrifício do Cordeiro morto e glorificado… Hoje, o Tabor é aqui; hoje, é aqui, nos sinais eucarísticos, que se manifesta a Glória do Senhor Jesus porque nos é dado o Espírito do Senhor, que eucaristiza, que transfigura, que transubstancia o pão e o vinho, elementos deste mundo, como a natureza humana de Jesus, em Corpo e Sangue do Cristo Senhor imolado e ressuscitado, pleno de Espírito de Glória! Comungando no Seu Corpo e no Seu Sangue é Sua Glória que nos inunda, é Sua graça que nos fortalece, é Sua Vida eterna e divina que nos revigora.
Mas, nunca esqueçamos: como o Cristo do Tabor era Aquele que haveria de morrer e ressuscitar, o Cristo da Eucaristia é o Cordeiro vivo mas quebrado, partido em Eucaristia, a nós dado na Sua amorosa imolação! É este mistério, irmãos amados, que devemos viver na nossa vida: trazer em nós continuamente a participação na paixão e morte do Senhor para que a Sua Glória e a Sua Vida vão nos inundando, vão transfigurando a nossa existência, as nossas experiências, até o Dia eterno, no Tabor eterno da Glória sem fim! Este é o caminho de Cristo, o único que é segundo o Evangelho! Por isso mesmo, o Pai nos adverte: “Este é o Meu Filho amado. Escutai o que Ele diz!” (Mc 9,7). Diz com a palavra, diz com os gestos, diz com a vida, diz com Sua Morte e Ressurreição. Então, escutar Jesus é predispor-se a participar do Seu caminho, do Seu destino de Cruz e de glória, de morte e ressurreição.
Não sejamos amigos do Tabor e inimigos do Horto das Oliveiras! Não seríamos discípulos, não seríamos cristãos! Sustentemos os combates da vida com os olhos fixos em Cristo e, nas escuridões desta nossa humana peregrinação, tenhamos diante dos olhos a esperança da Glória de Cristo, “como lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o Dia e levantar-se a Estrela da manhã”. Mas, que Estrela é essa, de que fala a Palavra de Deus? O Apocalipse responde, com as palavras do próprio Cristo glorioso: “Eu Sou o Rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da manhã” (Ap 22,16).
Eis, portanto: os tempos são maus, a confusão é grande, os inimigos da fé de dentro, solapando a verdade do Evangelho! Suportemos, unidos a Cristo, o combate, sabendo que “quando Cristo nossa Vida aparecer, seremos semelhantes a Ele, pois O veremos como Ele é” (1Jo 3,2). A Ele a glória, pelos séculos dos séculos. Amém.
Dom Henrique Soares da Costa