Caros irmãos e irmãs!
Neste último domingo do ano, a Liturgia da Igreja se volta para a Família de Nazaré. Mais uma vez voltamos o nosso olhar para a gruta de Belém os pastores que ao receberem o anúncio do anjo, acorreram apressadamente à gruta encontrando “Maria, José e o Menino deitado na manjedoura” (Lc 2, 16). Possamos também nós a contemplar este cenário, e reflitamos sobre o seu significado. As primeiras testemunhas do nascimento de Cristo, os pastores, encontraram-se diante não só do Menino Jesus, mas de uma pequena família: mãe, pai e filho recém-nascido. Deus quis revelar-se nascendo numa família humana, e por isso a família humana tornou-se ícone de Deus! Deus é Trindade, é comunhão de amor, e a família é, com toda a diferença que existe entre o Mistério de Deus e a sua criatura humana, uma expressão que reflete o Mistério insondável do Deus amor. O homem e a mulher, criados à imagem de Deus, tornam-se no matrimônio “uma única carne” (Gn 2, 24), isto é, uma comunhão de amor que gera vida nova. A família humana, num certo sentido, é ícone da Trindade pelo amor interpessoal e pela fecundidade do amor.
A primeira leitura apresenta algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura. O livro do Eclesiástico, de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um livro sapiencial que pretende apresentar uma reflexão de caráter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais. Uma palavra sobressai: o verbo “honrar”. Ele leva-nos ao decálogo do Sinai (cf. Ex 20,12), onde aparece no sentido de “dar glória”. E “dar glória” a uma pessoa é dar-lhe toda a sua importância; “dar glória aos pais” é, assim, reconhecer a sua importância como instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são a fonte através da qual Deus nos dá a vida, deve conduzir à gratidão; e essa gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); implica não fazer nada que os desgoste; escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; ser indulgente para com as limitações que a idade traz. É natural que, por trás destas indicações aos filhos esteja também a preocupação em manter vivos os valores tradicionais, valores que os mais antigos preservam e passam aos jovens. Como recompensa desta atitude de “honrar” os pais, o texto promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.
Apesar da preocupação moderna com os direitos humanos e o respeito pela dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono e de marginalização, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. Pensemos na nossa posição frente aos mais idosos, aos nossos pais que tanto fizeram pela formação dos filhos, dando-lhes as melhores condições para uma vida eficaz.
O texto do Evangelho nos propõe o célebre episódio evangélico de Jesus, que aos 12 anos que permanece no Templo, em Jerusalém, sem que seus pais o soubessem, os quais, admirados e preocupados, ali o encontram depois de três dias ao discutir com os doutores. Quando a mãe lhe pede explicações, Jesus responde que deve “estar na propriedade”, na casa do seu Pai, isto é, de Deus (cf. Lc 2, 49). Neste episódio o jovem Jesus demonstra-se cheio de zelo por Deus e pelo Templo. Perguntemos: de quem tinha aprendido Jesus o amor pelas “coisas” de seu Pai? Certamente como filho teve um conhecimento íntimo do seu Pai, de Deus, uma profunda relação pessoal e permanente com Ele, mas, na sua cultura concreta, aprendeu, com certeza, dos seus pais as orações, o amor pelo Templo e pelas Instituições de Israel. Portanto, podemos afirmar que a decisão de Jesus de permanecer no Templo era, sobretudo, fruto da sua relação íntima com o Pai, mas também fruto da educação recebida de Maria e de José.
Podemos entrever nisto o sentido autêntico da educação cristã, fruto de uma colaboração sempre procurada entre os educadores e Deus. A família cristã está consciente de que os filhos são dom e projeto de Deus. Portanto, não os podemos considerar como posse pessoal, mas, servindo neles o desígnio de Deus. De fato, a família é a melhor escola na qual se aprende a viver aqueles valores que dignificam a pessoa e tornam grandes os povos. Nela também se partilham os sofrimentos e as alegrias, onde todos sentem-se protegidos pelo carinho que reina em casa pelo simples fato de serem membros da mesma família.
No Evangelho não encontramos discursos sobre a família, mas uma admoestação que vale mais do que toda a palavra: Deus quis nascer e crescer numa família humana. Deste modo consagrou-a como caminho primário e efetivo do seu encontro com a humanidade. Na vida transcorrida em Nazaré, Jesus honrou a Virgem Maria e o justo José, permanecendo submetido à sua autoridade por todo o tempo da sua infância e adolescência (cf. Lc 2, 51-52). Deste modo, lançou luz sobre o valor primordial da família na educação da pessoa.
Este episódio evangélico revela a mais autêntica e profunda vocação da família: isto é, a de acompanhar cada um dos seus componentes pelo caminho da descoberta de Deus e do desígnio que Ele lhe predispôs. Maria e José educaram Jesus, em primeiro lugar, com o seu exemplo. Nos seus pais, Ele conheceu toda a beleza da fé, do amor a Deus e à sua Lei, assim como as exigências da justiça, que encontra o seu pleno cumprimento no amor (cf. Rm 13, 10). Deles aprendeu que antes de tudo é necessário realizar a vontade de Deus, e que o laço espiritual vale mais que o vínculo do sangue. A Sagrada Família de Nazaré é verdadeiramente o “protótipo” de cada família cristã que, unida no Sacramento do matrimônio e alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, é chamada a realizar a maravilhosa vocação e missão de ser célula viva não apenas da sociedade, mas da Igreja, sinal e instrumento de unidade para todo o gênero humano.
O homem e a mulher, criados à imagem de Deus, tornam-se no matrimônio “uma única carne” (Gn 2, 24), isto é, uma comunhão de amor que gera vida nova. A família humana, num certo sentido, é ícone da Trindade pelo amor interpessoal e pela fecundidade do amor.
O ambiente familiar é a melhor escola na qual se aprende a viver aqueles valores que dignificam a pessoa e tornam grandes os povos. Na família se partilham os sofrimentos e as alegrias, sentindo-se todos protegidos pelo carinho que deve reinar em cada lar. A família é a base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem, pela primeira vez, os valores que os guiarão durante toda a vida.
Peçamos hoje ao Senhor pelas famílias, para que se respire sempre este amor de entrega e fidelidade total que Jesus trouxe ao mundo com o seu nascimento, alimentando-o e fortalecendo-o com a oração quotidiana, a prática constante das virtudes, a compreensão recíproca e o respeito mútuo, que geram a paz e a unidade. Assim seja.
- Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ