Meditações Dominicais
Nesta Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, somos chamados a olhar para as maravilhas que Deus realizou em nossa Mãe Santíssima, tornando-a cooperadora da Redenção de Cristo e fazendo-a, pela união com o Filho, instrumento de mediação de todas as graças.
Neste domingo, a Igreja proclama o Evangelho de São João, capítulo 2, versículos de 1 a 11, que narra o episódio das bodas de Caná. E hoje também é um dia muito especial para nós brasileiros, pois fazemos memória de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, nossa padroeira. Por isso, vamos meditar sobre esse mistério da Virgem Maria como intercessora.
É importante entendermos que, ao falarmos da intercessão de Maria Santíssima, não nos referimos à mesma realidade dos demais santos, que também intercedem por nós. Isso porque Nossa Senhora não é só, por assim dizer, uma “santa importante” no Céu, que quantitativamente tem algo mais do que os outros santos de Deus. Maria não intercede por nós da mesma forma que, por exemplo, Santo Agostinho. Se realmente quisermos entender a intercessão de Nossa Senhora, precisamos nos aprofundar no mistério da ação de Maria na obra da salvação — desde o seu início, a Igreja tem consciência de que a Virgem Santíssima exerce um papel na salvação das almas.
Sim, o único Redentor é Jesus; mas Maria também age na redenção da humanidade. E a Segunda Leitura deste domingo nos revela isso quando nos apresenta a mulher vestida de Sol, lutando contra a serpente, Satanás — aqui, não vamos entrar no debate se quem esmaga a cabeça da serpente é essa mulher, prevista desde o livro do Gênesis, ou se é Jesus. O que nos importa aqui é o seguinte fato: Maria e Jesus lutam contra a serpente. Nossa Senhora está presente e atuante na obra da salvação. Tanto é verdade que São Paulo chama Jesus de novo Adão, e a Tradição da Igreja reconhece em Maria a Nova Eva, pois ela cooperou para que a humanidade recebesse a salvação.
Não temos dois Redentores, o Redentor é Jesus; Maria é nossa corredentora. Para entender melhor essa realidade, façamos uma analogia com um pé de manga. Deus é o Criador da manga, mas a árvore, a mangueira, é a cocriadora do fruto; ou seja, o pé de manga tem participação na obra da criação. A manga vem totalmente de Deus, pois, afinal, nada do que foi criado veio à existência sem Ele. Mas, quando Deus cria as coisas, isso não significa que Ele as tenha criado sozinho. É por isso que nascemos da união entre nossos pais, que são nossos cocriadores. Portanto, é nesse sentido que, em relação à obra da Redenção, dizemos que Jesus é o Redentor e Maria é a corredentora.

Aqui, podemos fazer um impressionante paralelo entre Maria e Eva: certa vez, uma virgem que estava noiva de um homem recebeu a visita de um anjo. Qual é o nome dessa virgem? Ora, é Eva. Sim, Eva era imaculada, era virgem; ela estava noiva de Adão e foi visitada por um anjo, Satanás, a antiga serpente — o dragão do Apocalipse. Foi assim que a perdição entrou no mundo. E maravilhosamente Deus quer que a salvação entre no mundo por uma porta semelhante àquela pela qual a perdição entrou.
Então, a história se repete; mas, desta vez, com um sinal positivo: uma virgem imaculada comprometida com um homem é visitada por um anjo. O nome da virgem é Maria; o do anjo, Gabriel. Agora, seu esposo não é Adão, mas José. E o que entrará no mundo não será o pecado, mas a Redenção. É por isso que, desde os primórdios da Igreja, muitos Santos Padres, como Justino, Santo Inácio, Santo Irineu e Tertuliano, chamaram Maria de Nova Eva. Ela verdadeiramente coopera no mistério da Redenção.
Essa Redenção, que é única, pode ser analisada a partir de dois aspectos: sob o ponto de vista objetivo, com a morte de Cristo na Cruz, todos nós já fomos salvos, pois recebemos a salvação conquistada por Cristo; mas, sob o ponto de vista subjetivo, ainda não estamos salvos, pois precisamos aplicar individualmente a salvação em nossas vidas. Em outras palavras, a porta do Céu já está aberta para nós, mas precisamos cooperar com a graça de Deus, para entrar por essa porta.
Acontece que, nesses aspectos, está presente a obra de Maria. No âmbito objetivo da Redenção, ela é chamada de Corredentora, porque, aos pés da Cruz, entregou seu Filho em oblação por nossos pecados. E, nesse ponto, existe outro contraste com Eva: a primeira mulher quis pegar para si o fruto; já Maria, diante da árvore da Cruz, não quis pegar, mas entregar o fruto do seu ventre, Jesus. Desse modo, Nossa Senhora participou da obra da Redenção dando a Jesus um corpo para ser sacrificado na Cruz.
Agora, quanto à dimensão subjetiva da Redenção, Maria é chamada de Medianeira de todas as graças. Isso quer dizer que as graças recebidas pelas nossas orações, pela intercessão dos santos e pelos sacramentos são, todas elas, alcançadas por meio de Nossa Senhora — o que acontece independente de nos lembrarmos de pedir a ela ou mesmo de admitirmos sua participação nas graças concedidas por Deus.
Sim, Maria é a Medianeira porque a presença da graça em nossas vidas é a própria geração do seu Filho Jesus em nós — onde o Filho está sendo gerado existe necessariamente uma ação da Mãe.
A melhor forma simbólica de entendermos essa realidade é remetendo-nos à aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, ocorrida a 27 de novembro de 1830, em Paris, quando foi revelada a devoção à Medalha Milagrosa. Maria apareceu à noviça Catarina Labouré vestida de branco, com um globo terrestre sob os pés e pisando a cabeça de uma serpente. Nossa Senhora também segurava outro globo terrestre sobre o qual havia uma cruz. Olhando para o alto, Maria oferece esse globo, que representa o mundo, para Deus. Subitamente, Catarina vê que o globo desaparece das mãos de Nossa Senhora, que agora tem em todos os dedos das mãos anéis preciosíssimos. Por fim, Catarina vê a Virgem Santíssima estendendo as mãos para baixo, de onde saem raios que simbolicamente são as graças de Deus derramadas sobre o mundo.
As graças passam pelas mãos de Maria, porque Jesus passou pelas mãos dela. Ora, o Cristo é a própria graça encarnada. E essa realidade maravilhosa foi decretada por Deus. Sim, o Criador poderia ter vindo a este mundo sem pedir licença a Maria; mas Ele quis ouvir o “sim” sincero dela.
Diante de tudo isso, como nós brasileiros olhamos para Nossa Senhora da Conceição Aparecida, cuja festa celebramos hoje? A Igreja, ao ver seus filhos brasileiros celebrando sua mãe e padroeira, coloca diante de nós, neste domingo, passagens bíblicas que apresentam Maria como a grande intercessora. Nas bodas, em Caná da Galileia, ela é a intercessora, prevista desde o Antigo Testamento na figura da Rainha Ester e também a intercessora citada no Salmo 44, em que afirma: “Que o rei se encante com a vossa beleza”, justamente para que conceda a sua intercessão (Sl 44, 12).
A Igreja nos apresenta Maria como intercessora para o povo brasileiro a fim de que nós, habitantes da Terra de Santa Cruz, vejamos Nossa Senhora aos pés da Cruz de Cristo como Corredentora, como Mãe. Objetivamente, a Redenção entrou no mundo por meio de Maria; e subjetivamente, essa mesma Redenção entrará em nossas vidas por meio da intercessão dela, a Medianeira de todas as graças.
Agora, lembremo-nos: como chegamos à fé? Como surgiu nossa vocação? Como nos convertemos e passamos a dar atenção às coisas de Deus? Pode ser que não nos lembremos da presença explícita de Maria, mas, diante do mistério da Redenção universal, podemos dizer sem sombra de dúvida: Nossa Senhora tem uma participação extraordinária na nossa salvação, como Corredentora, de modo objetivo. Mas também, em nossas vidas individualmente, ela agiu como Medianeira de todas as graças.
Vejamos, por exemplo, alguns acontecimentos bastante significativos presentes no Evangelho: quando Nossa Senhora visitou sua prima Isabel, que estava grávida de São João Batista, este, ao ouvir a voz de Maria, foi perdoado do pecado original ainda no ventre materno. Esse foi o primeiro milagre da graça, que aconteceu por meio da Virgem Maria, que, como a Arca da Aliança, carregava Jesus em seu ventre.
Mas o Evangelho que lemos hoje narra o primeiro milagre na ordem da natureza: durante a festa de casamento, acabou-se o vinho; Jesus diz à sua mãe: “Ainda não é a hora” (Jo 2, 4). E aqui Maria parece saber que ela precisa insistir com Jesus. Não é que Nossa Senhora, com sua insistência, muda a vontade de Cristo; o que acontece é que Maria foi chamada por Deus a pedir graças para nós. Isso faz parte da sua missão, que é a de gerar filhos. No capítulo 19 do Evangelho de São João, Nosso Senhor, do alto da Cruz, entrega-nos Maria como nossa Mãe, mostrando a vontade de Deus: sermos gerados por ela. E, desde sempre, a Igreja teve essa consciência bastante clara de que é por meio de Maria que as coisas acontecem. Deus quer ouvir o pedido dela.
Santo Tomás de Aquino nos explica que devemos rezar não porque queremos mudar a vontade de Deus, mas porque o Senhor — que nos ama e quer nos dar sua graça — quer que nos unamos ao seu amor. Então, por exemplo, se rezamos pelas crianças — hoje também celebramos o dia delas —, Deus quer que nós as amemos com Ele; o Senhor quer que peçamos para os pequenos aquilo que Ele já quer dar. Assim, as graças chegarão às crianças juntamente com a nossa oração por elas. É dessa forma que as graças que recebemos para as nossas vidas vêm, todas elas, de alguma forma pela intercessão de Maria. É claro que nem sempre pedimos algo para Nossa Senhora, não devemos confundir nossa oração com a oração dela. Mas, quando rezamos e somos atendidos por Deus, é a Virgem Santíssima quem está intercedendo ao nosso lado. Portanto, tudo quanto o Senhor nos concede vem pela intercessão dela. Eis o mistério da intercessão universal de Maria.
Sim, essa intercessão universal de Nossa Senhora ainda não foi definida pela Igreja como um dogma, mas pode muito bem ser definida. Se formos aos tratados clássicos de Mariologia, veremos que essa doutrina da intercessão é uma realidade aceita por praticamente todos eles — ultimamente, a Igreja tem vivido uma espécie de “mania ecumenista” que torna a defesa de Nossa Senhora politicamente incorreta, basta observar as reações de descontentamento dos protestantes. Praticamente todos os papas do século XX falaram de Maria como Medianeira de todas as graças. Apesar de não ter sido definido ainda, esse dogma foi formalmente revelado. E nós o vemos implícito no papel de Maria na grande obra da salvação. Aliás, basta um raciocínio mais detido para constatarmos que isso está plenamente em conformidade com a própria praxe da Igreja: “Lex orandi, lex credendi”, ou seja, “a lei da oração é a lei da fé”. Ao longo dos seus dois milênios de história, a Igreja sempre recorreu à intercessão de Nossa Senhora. Tanto é verdade que, em todo o mundo, inúmeras igrejas são dedicadas à Virgem Santíssima e os principais santuários do mundo são marianos.
Ou admitimos que existe, sim, uma razão teológica para essa devoção extraordinária do povo a Nossa Senhora, ou então admitimos que a Igreja tem alimentado uma fé sem fundamento teológico. Ora, o fundamento teológico é este: a Virgem Santíssima faz parte da obra da Redenção.
Citamos alguns episódios milagrosos dos Evangelhos, como a Visitação, quando ocorreu a redenção de São João Batista, primeiro milagre da graça; e as bodas de Caná, primeiro milagre na ordem natural. Mas existe uma passagem ainda mais extraordinária: a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, narrada no livro dos Atos dos Apóstolos (1, 12-14). Vemos claramente que, nessa ocasião, Maria estava em companhia dos discípulos, intercedendo pela Igreja. Aqui, a Sagrada Escritura nos mostra com notável clareza que as graças do Espírito Santo vêm por meio de Maria. Mesmo que não admitamos, Nossa Senhora está presente quando recebemos as graças, pois ela é a Medianeira.
Portanto, ao celebrarmos esta Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, colocamos o Brasil, explícita e conscientemente, sob esse mistério de amor da Virgem. Juntamente com ela, pedimos a bênção de Deus sobre o nosso país. Que Nossa Senhora Aparecida, coroada Imperatriz do Brasil a pedido da própria Princesa Isabel — herdeira do trono brasileiro e futura Imperatriz, mas infelizmente exilada com a proclamação da República —, realmente seja aquela que tem nas mãos o destino da nossa nação.
Padre Paulo Ricardo