XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A
Como é bom encontrarmos irmãos que querem o nosso bem. No cristianismo, a correção fraterna sempre foi o um bem admirado, ainda que, frequentemente, pouco compreendido e, talvez, praticado com escassez. Jesus, no dia de hoje, explica-nos de várias maneiras como corrigir quem erra. À pessoa que é corrigida, o Senhor lhe dirige essas palavras: “aquele que ama a correção ama a ciência, mas o que detesta a reprimenda é um insensato” (Prov 12,1). Perguntemo-nos: queremos que os outros nos ajudem? Desejamos que os nossos irmãos nos corrijam? Temos essa sensatez de quem é consciente de que sozinho não podemos chegar à meta da santidade e de que, portanto, necessitamos da ajuda dos irmãos na fé? São Cirilo dizia que “a repreensão que melhora os humildes costuma ser intolerável aos soberbos”. O humilde deseja ser ajudado, o soberbo basta-se a si mesmo e… quebra a cara!
Também, na literatura profana, encontramos exemplos de ajuda mútua, de orientação e de correção. É edificante ler que Circe de lindas tranças, na Odisséia (Homero), explica ao valente Ulisses como ele deve passar por entre as sereias de belas vozes sem deixar-se arrastar pelo seu harmonioso canto e, desta maneira, não terminar destinado ao cemitério de ossos humanos putrefatos. Ulisses, obediente, à voz de Circe, explica aos seus companheiros que devem ter os seus ouvidos untados com cera para não escutarem a voz das sereias. Ulisses, ao contrário, escutaria a voz das sereias, mas com a seguinte precaução: pede aos seus companheiros que lhe atem os pés e as mãos com cordas. Feitas as coisas desta maneira, chega o momento da terrível prova. Em efeito, Ulisses encantado com as vozes das sereias pede aos seus companheiros que lhe desatem, mas Perímedes e Euríloco, em vez de obedecer, ataram-lhe com mais cordas. Desta maneira, os amigos leais passaram incólumes por essa grande provação.
Nós também, se formos amigos leais ou, melhor ainda, se formos irmãos leais, ajudaremos os nossos irmãos. Não os ataremos com cordas para que não pequem, mas lhes daremos os oportunos conselhos para não ofenderem o Senhor e falar-lhes-emos da importância de ser prudentes nisso ou naquilo; caso errarem, lhes corrigiremos com caridade. Nem mesmo perderemos a oportunidade de advertir-lhes – esse é o coração da correção fraterna – sobre alguma coisa que represente algum perigo para eles, especialmente em relação à salvação eterna. O amigo atencioso e cheio da caridade cristã procurará inclusive prever as dificuldades do outro e procurará conduzi-los a bom porto.
Não podemos permitir que episódios semelhantes àqueles que aconteceram nos primórdios da criação continuem sucedendo. Você se lembra? Depois que Caim matou Abel, Deus lhe pergunta: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). Caim, covarde e falto de sinceridade, responde ao Senhor: “Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). Deus não quis dar uma resposta ao interrogante de Caim, mas, sem dúvida, a resposta seria “sim, você é o guarda do seu irmão”. Todos nós temos a responsabilidade de ajudar os outros, temos que cuidar dos nossos irmãos pois… são nossos irmãos!
Talvez seja esse o momento de recordar que há uma obra de misericórdia espiritual que acolhe em si a boa ação da correção a um irmão. “Instruir, aconselhar, confortar são as obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência” (Cat. 2447). Aconselhar! Aí se encontra, portanto, a correção fraterna entre as obras de misericórdia.
Quando não se pratica a correção fraterna é muito fácil cair na murmuração ou nas indiretas. No primeiro caso, murmuração, a coisa se transforma em fofoca; no segundo, dar indiretas, se procura o momento mais oportuno para disparar uma flecha venenosa com uma língua de serpente. “Isso chama-se: bisbilhotice, murmuração, mexerico, enredo, intriga, alcovitice, insídia…, calúnia?… vileza? – É difícil que a “função de dar critério” de quem não tem o dever de exercitá-la, não acabe em “negócio de comadres”” (S. Josemaría Escrivá, Caminho, 449).
Como irmãos em Cristo, temos o dever de corrigir-nos e o direito a que nos corrijam. Vou insistir no direito: é preciso inclusive pedir aos outros que, por favor, nos façam oportunas observações. Quando se tem a humildade de receber uma correção fraterna em silêncio, sem justificar-se, com um sorriso e com um agradecido “obrigado” nos lábios, é sinal de que realmente estamos sendo movidos pelo Espírito de Deus, de que temos autêntico desejo de santidade e de que sabemos ver nas correções que nos fazem o interesse dos nossos irmãos em ajudar-nos. Tenhamos por certo que as pessoas que nos corrigem querem o nosso bem. Os pais, por exemplo, que amam os seus filhos não omitem a oportuna correção. Advertir, corrigir, aconselhar é sinal de carinho verdadeiro pelas pessoas; isto é, porque queremos o bem delas, procuramos afastar para longe delas tudo aquilo que possa fazer-lhes dano.
Pe. Françoá Costa