III Domingo da Quaresma – Ano B
Incrível! E, além do mais, a cena do Evangelho de hoje poderia assustar os meramente pacifistas: Jesus pega no chicote e expulsa os vendedores do Templo: “Tirai isso daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes” (Jo 2,16). Trata-se do Filho que zela pelas coisas que são do seu Pai. Também nós, se formos bons filhos de Deus, cuidaremos direitinho das coisas do nosso Pai do céu seguindo o exemplo do nosso irmão e Senhor Jesus.
Jesus Cristo falou e agiu com firmeza. Ele foi até mesmo santamente violento: chicote, gritos e quem sabe até alguma chibatada em algum dos vendilhões. Como é possível que aquele que disse de si mesmo que é manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29) agora atue dessa maneira? A cólera de Deus, diferente da nossa ira, é sempre santa. Jesus se irrita fortemente para por a salvo os direitos de Deus, a glória que só a ele lhe convém, e o bem das nossas almas. Mais ainda, aquele que é manso, pediu que fossemos violentos se quisermos alcançar o reino dos céus: “Desde a época de João Batista até o presente, o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam” (Mt 11,12). É interessante também que a mansidão de Jesus e a violência que ele nos aconselha encontram-se no mesmo capítulo do Evangelho segundo Mateus! Qual é o tipo de violência que se nos pede? Deus pede de cada um de nós que travemos uma guerra contra os nossos apetites desordenados, as nossas ideias insensatas e a dureza dos nossos corações. Quiçá não seja infrequente que sintamos a força da soberba, da inveja, da luxúria e dos demais pecados capitais. Eles gritam em nós reclamando os campos perdidos e pedindo revanche pelas batalhas nas quais foram derrotados.
Estamos em guerra! Constantemente o inimigo se nos apresenta disposto a vencer-nos e arruinar-nos para, dessa maneira, tentar atingir o próprio Deus. Nesses quarenta dias quaresmais estamos com Jesus acompanhando-o no seu grande jejum, procurando completar na nossa carne que falta à Paixão de Cristo (cf. Cl 1.24). As forças do mal não nos deixarão em paz, mas é exatamente essa luta que nos fará livres. Não estamos sozinhos, é Deus quem nos fortalece!
Jesus tinha um chicote para defender a causa do seu Pai. No nosso caso, quais são as nossas armas nessa luta de paz, de amor e de alegria? Oração, Eucaristia, Confissão, penitências, rosário de Nossa Senhora, luta para extirpar vícios e adquirir virtudes, boas leituras e o trabalho bem feito por amor a Deus e com o desejo de servir a todos com os quais convivemos. O fim é comum, o céu, e os meios são os de sempre, isto é, os que todos os santos utilizaram. Na vida espiritual não há novidades senão aquelas que a graça realiza na alma de cada fiel com os meios de sempre e encaminhando-os para a mesma felicidade, Deus.
Eu dissera no começo que alguém poderia se assustar com a expressão “violência de Jesus” e creio não equivocar-me. Isso é assim porque estamos, paulatinamente, adocicando o cristianismo e dele apresentando uma versão light. Contentamo-nos com pouco ou quase nada, semelhante àquele amigo que disse ao outro: – “vou te dar um livro no Natal”. Então o amigo lhe responde: – “não precisa, pois eu já tenho um, muito obrigado”. Quando descuramos a vida da nossa alma passa a ser suficiente uma missa de vez em quando, uma confissão de vez em anos, um sinal da cruz desajeitado porque feito às pressas, uma oraçãozinha noturna que não se repete todas as noites, um velório aqui e outro acolá sem pensarmos que num futuro próximo ou distante seremos nós os velados. Cristianismo light! E como não parece suficiente o gosto do cristianismo tal como ele é, fazemos como a Coca-Cola, pedimo-lo com gelo e limão! Isto é, acrescentamos à religião cristã as nossas manias e más ideias a tal ponto que conseguimos desfigurar essa realidade humano-divino que Cristo fundou para a nossa salvação, a Igreja.
Nessa hora, diante do perigo de que os negociantes – os amigos de gelo e limão no cristianismo, os falsificadores da verdade – mintam e enganem sobre a pessoa e obra de Cristo, também nós precisamos de chicotes, um contra nós mesmos (nossos pecados) e um contra a mentira, o engano e a traição dos valores cristãos, perenes como o Evangelho.
Pe. Françoá Costa