Meditações Dominicais – XXIII Domingo do Tempo Comum
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje gostaria de meditar convosco a respeito da oração de Jesus vinculada à sua prodigiosa atividade de cura. Nos Evangelhos são apresentadas várias situações em que Jesus reza diante da ação benéfica e curadora de Deus Pai, que age através d’Ele. Trata-se de uma oração que, mais uma vez, manifesta a relação singular de conhecimento e de comunhão com o Pai, enquanto Jesus se deixa envolver com grande participação humana na dificuldade dos seus amigos, por exemplo, de Lázaro e da sua família, ou dos numerosos pobres e enfermos que Ele deseja ajudar concretamente.
Um caso significativo é a cura do homem surdo (Mc 7,31-37). A narração do evangelista Marcos – que há pouco ouvimos – demonstra que a ação curadora de Jesus está ligada à sua relação intensa, quer com o próximo – o doente – quer com o Pai. A cena do milagre é descrita atentamente assim: «Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!”» (vv. 33-34). Jesus deseja que a cura se verifique à parte, afastando-se da multidão. Isto não parece devido unicamente ao fato de que o milagre deve ser conservado escondido das pessoas, para evitar que se formem interpretações limitadas ou deturpadas da pessoa de Jesus. A escolha de levar o doente «à parte» faz com que, no momento da cura, Jesus e o surdo se encontrem sozinhos, aproximados por uma relação singular. Com um gesto, o Senhor toca os ouvidos e a língua do doente, ou seja, os lugares específicos da sua enfermidade. A intensidade da atenção de Jesus manifesta-se também nos traços insólitos da cura: Ele emprega os seus dedos e até a própria saliva. Também o fato de que o evangelista cite a palavra original, pronunciada pelo Senhor – «Efatá»,ou seja, «Abre-te!» – põe em evidência o caráter singular desta cena.
Mas o ponto central deste episódio é o fato de que Jesus, no momento de realizar a cura, procura diretamente a sua relação com o Pai. Com efeito, a narração diz que Ele, «olhando para o céu, suspirou» (v. 34). A atenção ao enfermo, o cuidado de Jesus para com ele, estão ligados a uma profunda atitude de oração dirigida a Deus. E a emissão do suspiro é descrita com um verbo que no Novo Testamento indica a aspiração a algo de bom que ainda falta (cf. Rm 8,23). O conjunto da narração demonstra então que o envolvimento humano com o enfermo leva Jesus à oração. Mais uma vez sobressai a sua relação singular com o Pai, a sua identidade de Filho Unigênito. N’Ele, através da sua pessoa, torna-se presente o agir curador e benéfico de Deus. Não é por acaso que o comentário conclusivo das pessoas, depois do milagre, recorda a avaliação da criação no início do Gênesis: «Ele tem feito bem todas as coisas» (Mc 7,37). Na obra curadora de Jesus sobressai de modo claro a oração, com o seu olhar voltado para o Céu. A força que curou o surdo é, sem dúvida, provocada pela compaixão por ele, mas provém do recurso ao Pai. Encontram-se estas duas relações: a relação humana de compaixão para com o homem, que entra em relação com Deus, tornando-se assim cura.
Na narração joanina da ressurreição de Lázaro esta mesma dinâmica é testemunhada com uma evidência ainda maior (Jo 11,1-44). Também aqui se entrelaçam, por um lado, o vínculo de Jesus com um amigo e com o seu sofrimento e, por outro, a relação filial que Ele mantém com o Pai. A participação humana de Jesus na vicissitude de Lázaro contém características particulares. Em toda a narração é reiteradamente recordada a amizade com ele, mas também com as irmãs Marta e Maria. O próprio Jesus afirma: «O nosso amigo Lázaro dorme. Mas eu vou despertá-lo» (v. 11). O afeto sincero pelo amigo é evidenciado inclusive pelas irmãs de Lázaro, assim como pelos judeus (vv. 3.36), manifesta-se na comoção profunda de Jesus à vista da dor de Marta e Maria e de todos os amigos de Lázaro, e desabrocha no desatar em lágrimas – tão profundamente humano – no aproximar-se do túmulo: «Quando Jesus a viu chorar [Marta], e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, e perguntou: “Onde o colocastes?”. Responderam: “Vem ver, Senhor”. E Jesus chorou» (vv. 33-35).
Este vínculo de amizade, a participação e a emoção de Jesus diante do sofrimento dos parentes e dos conhecidos de Lázaro está ligado em toda a narração a uma relação contínua e intensa com o Pai. Desde o início este acontecimento é interpretado por Jesus em relação à sua própria identidade e missão e à glorificação que O espera. Com efeito, à notícia da doença de Lázaro, Ele comenta: «Esta doença não leva à morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela» (v. 4). Também o anúncio da morte do amigo é acolhido por Jesus com profunda dor humana, mas sempre em clara referência à relação com Deus e com a missão que Ele lhe confiou; e diz: «Lázaro está morto. Mas por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais» (vv. 14-15). O momento da oração explícita de Jesus ao Pai diante do túmulo constitui a conclusão natural de toda a vicissitude, inserida neste duplo contexto da amizade com Lázaro e da relação filial com Deus. Também aqui as duas relações caminham juntas. «Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste”» (v. 41): é uma “eucaristia” [ação de graças]. A frase revela que Jesus não interrompeu nem sequer por um instante a oração de pedido pela vida de Lázaro. Pelo contrário, esta oração contínua revigorou o vínculo com o amigo e, contemporaneamente, confirmou a decisão de Jesus de permanecer em comunhão com a vontade do Pai, com o seu plano de amor, no qual a doença e a morte de Lázaro devem ser consideradas como um âmbito no qual se manifesta a glória de Deus.
Estimados irmãos e irmãs, lendo esta narração cada um de nós é chamado a compreender que na oração de pedido ao Senhor não devemos esperar um cumprimento imediato daquilo que nós pedimos, da nossa vontade, mas devemos confiar-nos sobretudo à vontade do Pai, interpretando cada acontecimento na perspectiva da sua glória, do seu desígnio de amor, muitas vezes misterioso aos nossos olhos. Por isso, na nossa oração, o pedido, o louvor e a ação de graças deveriam “fundir-se”, mesmo quando nos parece que Deus não corresponde às nossas expectativas concretas. O abandonar-se ao amor de Deus, que nos precede e nos acompanha sempre, é uma das atitudes fundamentais do nosso diálogo com Ele. O Catecismo da Igreja Católica comenta assim a oração de Jesus na narração da ressurreição de Lázaro: «Apoiada na ação de graças, a oração de Jesus revela-nos como devemos pedir: antes de lhe ser dado o que pede, Jesus adere Àquele que doa e que nos seus dons doa a si mesmo. O Doador é mais precioso que o dom concedido, é o “tesouro”, e é n’Ele que está o coração do Filho; o dom é dado “por acréscimo” (Mt 6,21.33)» (n. 2.604). Isto parece-me muito importante: antes que o dom seja concedido, aderir Àquele que doa; o doador é mais precioso que o dom. Por conseguinte, também para nós, além daquilo que Deus nos concede quando O invocamos, o maior dom que Ele nos pode oferecer é a sua amizade, a sua presença, o seu amor. Ele é o tesouro precioso que devemos pedir e conservar sempre.
A oração que Jesus pronuncia, enquanto retiram a pedra da entrada do túmulo de Lázaro, apresenta também um desenvolvimento singular e inesperado. Com efeito Ele, depois de ter dado graças a Deus Pai, acrescenta: «Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste» (Jo 11,42). Com a sua oração, Jesus deseja conduzir à fé, à confiança total em Deus e na sua vontade, e quer mostrar que este Deus, que amou de tal modo o homem e o mundo, que chegou a enviar o seu único Filho (Jo 3,16), é o Deus da Vida, o Deus que traz a esperança e é capaz de inverter as situações humanamente impossíveis. Então, a oração confiante de um crente constitui um testemunho vivo desta presença de Deus no mundo, do seu interessar-se pelo homem, do seu agir para realizar o seu plano de salvação.
As duas orações de Jesus que meditamos, que acompanham a cura do surdo e a ressurreição de Lázaro, revelam que o profundo vínculo entre o amor a Deus e o amor ao próximo deve entrar também na nossa oração. Em Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a atenção pelo outro, de maneira especial se é necessitado e sofredor, o comover-se diante da dor de uma família amiga, levam-no a dirigir-se ao Pai, naquela relação fundamental que orienta toda a sua vida. Mas também vice-versa: a comunhão com o Pai, o diálogo constante com Ele, impele Jesus a estar atento de modo singular às situações concretas do homem, para ali levar a consolação e o amor de Deus. A relação com o homem guia-nos rumo à relação com Deus, e a relação com Deus orienta-nos de novo para o próximo.
Caros irmãos e irmãs, a nossa oração abre a porta a Deus, que nos ensina a sair constantemente de nós mesmos para sermos capazes de aproximarmo-nos do outro, especialmente nos momentos de provação, para lhes levar a consolação, a esperança e a luz. O Senhor nos conceda ser capazes de uma oração cada vez mais intensa, para fortalecer a nossa relação pessoal com Deus Pai, abrir o nosso coração às necessidades daqueles que estão ao nosso lado e sentir a beleza de ser «filhos no Filho», juntamente com muitos irmãos.
Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 14 de dezembro de 2011