Queridos Irmãos e Irmãs, nós sabemos que um dos Tesouros recentes na nossa Santa Igreja Católica apostólica Romana, são as Homilias e Angelus proferidos por nosso Saudoso e querido Papa Bento XVI que, sempre, foram realmente feitos por ele e não delegados a terceiros.
A partir desse Domingo de Pentecostes de 2024, passaremos a publicar uma coletânea dessas Homilias e Angelus que o nosso querido Papa nos deixou ao longo de seu Pontificado.
Para acesso à Homilia, ou Angelus, basta clicar no título desejado, abaixo:
Pentecostes, 11 de Maio de 2008
Santíssima Trindade – Solenidade – Junho de 2009
Corpus Christi – Junho de 2009
Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel – Dezembro 2012
A semente que cresce sozinha e o grão de mostarda – Junho 2012
Solenidade da Natividade de São João Batista – Junho 2007
Solenidade de São Pedro e São Paulo – Junho 2005
Nemo propheta in patria – 14º Domingo Comum, Ano B – Julho 2012
“e começou a enviá-los dois a dois…” – 15° Domingo Comum – Julho 2012
Deus é capaz de multiplicar o nosso pequeno gesto de amor – Julho 2012
Trabalhai, não pelo alimento que perece – Agosto de 2012
Opor-se à obra de Deus – Agosto de 2012
Também vós quereis retirar-vos? – Agosto de 2012
Este povo honra-me com os lábios – Setembro 2012
Quem dizem os homens que eu sou? – Setembro 2012
Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último – Setembro 2006
Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael – Setembro 2007
Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? – Fevereiro 2010
SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS – Novembro 2006
Pentecostes, 11 de Maio de 2008
Amados Irmãos e Irmãs!
São Lucas insere a narração do evento do Pentecostes, que ouvimos na primeira Leitura, no segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos. O capítulo é introduzido pela expressão: “Quando chegou o dia do Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar” (At 2, 1). São palavras que fazem referência ao quadro precedente, em que Lucas descreveu a pequena companhia dos discípulos, que se reunia assiduamente em Jerusalém depois da Ascensão ao céu de Jesus (Cf. At 1, 12-14). É uma descrição rica de pormenores: o lugar “onde habitavam” o Cenáculo é um ambiente “no andar de cima”; os onze Apóstolos são enumerados por nome, e os primeiros três são Pedro, João e Tiago, as “colunas” da comunidade; juntamente com eles são mencionadas “algumas mulheres”, “Maria, a Mãe de Jesus” e os “irmãos d’Ele”, já integrados nesta nova família, fundamentada não já em vínculos de sangue, mas na fé em Cristo.
A este “novo Israel” alude claramente o número total das pessoas, que era “e “cerca de cento e vinte”, múltiplo “dos doze” do Colégio apostólico. O grupo constitui uma autêntica qähäl,20 uma “assembleia” segundo o modelo da primeira Aliança, a comunidade convocada para ouvir a voz do Senhor e caminhar pelas suas veredas. O Livro dos Atos sublinha o fato de que “todos estavam unidos pelo mesmo sentimento, entregando-se assiduamente à oração” (1, 14). Por conseguinte, a oração é a principal atividade da Igreja nascente, mediante a qual ela recebe a sua unidade do Senhor, deixando-se orientar pela sua vontade, como demonstra também a opção de tirar à sorte para escolher aquele que passará a ocupar o lugar de Judas (Cf. At 1, 25).
Esta comunidade encontrava-se reunida no mesmo lugar, o Cenáculo, na manhã da festa judaica do Pentecostes, festa da Aliança, em que se fazia memória do evento do Sinai quando Deus, mediante Moisés, tinha proposto que Israel se tornasse a sua propriedade no meio de todos os povos, para ser sinal da sua santidade (Cf. Ex 19). Segundo o Livro do Êxodo, aquela antiga aliança foi acompanhada por uma terrificante manifestação de poder da que parte do Senhor: “Todo o monte Sinai lê-se fumegava, porque o Senhor havia descido sobre ele no meio de chamas. O fumo que se elevava era como o de um forno, e todo o monte estremecia violentamente” (19, 18). Voltamos a encontrar os elementos do vento e do fogo no Pentecostes do Novo Testamento, mas sem ressonâncias de medo. Em particular, o fogo adquire a forma de línguas que se pousam sobre cada um dos discípulos, “ficaram todos cheios de Espírito Santo” e, em virtude de tal efusão, “começaram a falar outras linguas” (At 2, 4). Trata-se de um verdadeiro e próprio “batismo” de fogo da comunidade, uma espécie de nova criação. No Pentecostes, a Igreja é constituída não por uma vontade humana, mas pela força do Espírito de Deus. E é imediatamente claro como este Espírito dá vida a uma comunidade que é uma só e, ao mesmo tempo, universal, superando deste modo a maldição de Babel (Cf. Gn II, 7-9). Com efeito somente o Espírito Santo, que cria unidade no amor e na aceitação recíproca das diversidades, pode libertar a humanidade da tentação constante de uma vontade de poder terreno que quer dominar e uniformizar tudo.
Societas Spiritus, sociedade do Espírito: assim Santo Agostinho chama a Igreja num dos seus sermões (71, 19, 32: PL 38, 462). No entanto, já antes dele Santo Irineu tinha formulado uma verdade que me aprazrecordar: “Onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali estão a Igreja e todas as graças, e o Espírito é a verdade; afastar-se da Igreja significa rejeitar o Espírito” e, por conseguinte, “excluir-se da vida” (Adv. Haer. III, 24, 1). A partir do evento do Pentecostes manifesta-se plenamente esta união entre o Espírito de Cristo e o Seu Corpo místico, ou seja, a Igreja. Gostaria de refletir sobre um aspecto peculiar da ação do Espírito Santo, isto é, sobre o entrelaçamento entre multiplicidade e unidade. Disto fala a segunda Leitura, discorrendo sobre a harmonia dos diversos carismas na comunhão do mesmo Espírito. Mas já na narração dos Atos, que ouvimos, este entrelaçamento revela-se com extraordinária evidência. No evento do Pentecostes torna-se clarividente que à Igreja pertencem múltiplas línguas e diferentes culturas; na fé, elas podem compreender-se e fecundar-se reciprocamente. São Lucas quer claramente transmitir uma ideia fundamental, ou seja, que no próprio ato do seu nascimento a Igreja já é “católica”, universal. Ela fala desde o início todas as línguas, porque o Evangelho que lhe é confiado, está destinado a todos os povos, em conformidade com a vontade e o mandato de Cristo ressuscitado (Cf. Mt 28, 19). A Igreja que nasce no Pentecostes não constitui, acima de tudo, uma comunidade particular a Igreja de Jerusalém, mas sim a Igreja universal, que fala as línguas de todos os povos. Sucessivamente, dela hão de nascer outras comunidades em todas as regiões do mundo, Igrejas particulares que são, todas e sempre, realizações da una e única Igreja de Cristo. Por conseguinte, a Igreja católica não é uma federação de Igrejas, mas uma única realidade: a prioridade ontológica cabe à Igreja universal. Uma comunidade que, neste sentido, não fosse católica não seria nem sequer Igreja.
A este propósito, é necessário acrescentar mais um aspecto: o da visão teológica dos Atos dos Apóstolos a respeito do caminho da Igreja de Jerusalém até Roma. Entre os povos representados em Jerusalém no dia do Pentecostes, Lucas cita também os “estrangeiros de Roma” (At 2, 10). Naquele momento Roma ainda estava distante, era “estrangeira” para a Igreja nascente: ela constituía o símbolo do mundo pagão em geral. Todavia, a força do Espírito Santo guiará os passos das testemunhas, “até aos extremos confins da terra” (At 1, 8), até Roma. O livro dos Atos dos Apóstolos termina precisamente quando São Paulo, através de um desígnio providencial, chega à capital do império e aí anuncia o Evangelho (Cf. At 28, 30-31). Deste modo, o caminho da Palavra de Deus, encetado em Jerusalém, alcança sua meta, porque Roma representa o mundo inteiro e, portanto, encarna a ideia lucana da catolicidade. Realizou-se a Igreja universal, católica, que é a continuação do povo da eleição e torna próprias a sua história e a missão.
Nesta altura, e para concluir, o Evangelho de João oferece-nos uma palavra, que concorda muito bem com o mistério da Igreja criada pelo Espírito. Esta é a palavra que saiu duas vezes da boca de Jesus ressuscitado, quando apareceu no meio dos discípulos no Cenáculo na noite de Páscoa: Shalom [a paz esteja convosco!] (Jo 20, 19.21). A expressão “shalom” não é uma simples saudação; é muito mais: é o dom da paz prometida (cf. Jo 14, 27) e conquistada por Jesus ao preço do Seu sangue, é o fruto da Sua vitória na luta contra o espírito do mal. Portanto, trata-se de uma paz “não como o mundo a oferece”, mas como somente Deus a pode conceder.
Nesta solenidade do Espírito e da Igreja, queremos dar graças a Deus por ter concedido ao Seu povo escolhido, formado no meio de todos os povos, o bem inestimável da paz, da Sua paz! Ao mesmo tempo renovemos a tomada de consciência da responsabilidade que está vinculada a este dom: a responsabilidade da Igreja de ser, constitucionalmente, sinal e instrumento da paz de Deus para todos os povos. Procurei ser portador desta mensagem, indo recentemente à sede da Organização das Nações Unidas, para dirigir a minha palavra aos representantes dos povos. Mas não devemos pensar somente nestes acontecimentos “no vértice”. A Igreja realiza o seu serviço à paz de Cristo, sobretudo na presença e ação comuns no meio dos homens, com a pregação do Evangelho e com os sinais de amor e de misericórdia que a acompanham (Cf. Mc 16, 20).
Naturalmente, entre estes sinais é necessário ressaltar de maneira prioritária o Sacramento da Reconciliação, que Cristo instituiu no mesmo momento em que comunicou aos discípulos a Sua paz e o Seu Espírito. Como ouvimos na página evangélica, Jesus soprou sobre os Apóstolos e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 21-23). Como é importante e, infelizmente, de forma insuficiente compreendido o dom da Reconciliação, que pacifica dos corações! A paz de Cristo só se difunde através dos corações renovados de homens e de mulheres reconciliados, que se tornaram servidores da justiça, prontos a espalhar pelo mundo a paz unicamente com a força da verdade, sem fazer compromissos com a mentalidade do mundo, porque o mundo não pode doar a paz de Cristo: eis como a Igreja pode ser fermento daquela reconciliação que provém de Deus. Só pode sê-lo, se permanecer dócil ao Espírito e der testemunho do Evangelho, se carregar a Cruz como e com Jesus. É precisamente isto que testemunham os santos e as santas de todos os tempos!
Amados irmãos e irmãs, que à luz desta Palavra de vida se torne ainda mais ardente e intensa a oração, que no dia de hoje elevamos a Deus em união espiritual com a Virgem Maria. A Virgem da escuta, a Mãe da Igreja, obtenha para as nossas comunidades e para todos os cristãos uma renovada efusão do Espírito Santo Parácito. Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae [Enviai o vosso Espírito; tudo será recriado e renovareis a face da terra].
Amém.
Papa Bento XVI
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Santíssima Trindade – Solenidade
Angelus – Praça de São Pedro – 07/06/2009
Prezados Irmãos e Irmãs,
Depois do tempo pascal, culminado na festa de Pentecostes, a liturgia prevê estas três solenidades do Senhor: hoje, a Santíssima Trindade, na próxima quinta-feira, Corpus Christi que, em muitos países entre os quais a Itália, será celebrada no próximo domingo, e finalmente, na sexta-feira sucessiva, a festa do Sagrado Coração de Jesus. Cada uma destas celebrações litúrgicas evidencia uma perspectiva a partir da qual se abrange todo o mistério da fé cristã: ou seja, respectivamente a realidade de Deus Uno e Trino, o Sacramento da Eucaristia e o centro divino-humano da Pessoa de Cristo. Na verdade, são aspectos do único mistério da salvação, que num certo sentido resumem todo o itinerário da revelação de Jesus, da encarnação à morte e ressurreição à ascensão e ao dom do Espírito Santo.
No dia de hoje contemplamos a Santíssima Trindade, do modo como Jesus fê-la ser conhecida. Ele revelou-nos que Deus é amor, “não na unidade de uma única pessoa, mas na Trindade de uma só substância” (Prefácio): é Criador e Pai misericordioso; é Filho Unigênito, eterna Sabedoria encarnada, morto e ressuscitado por nós; é, finalmente, Espírito Santo que tudo move, cosmos e história, rumo à plena recapitulação final. Três Pessoas que são um só Deus, porque o Pai é amor, o Filho é amor e o Espírito é amor. Deus é tudo e somente amor, amor puríssimo, infinito e eterno. Não vive numa solidão maravilhosa, mas é sobretudo fonte inesgotável de vida que se doa e se comunica incessantemente. Em certa medida podemos intuí-lo, observando quer o macrouniverso: a nossa terra, os planetas, as estrelas e as galáxias; quer o microuniverso: as células, os átomos e as partículas elementares. Em tudo o que existe está num certo sentido gravado o “nome” da Santíssima Trindade, porque todo o ser, até às últimas partículas, é um ser em relação, e assim transparece o Deus-relação, transparece por fim o amor criador. Tudo deriva do amor, tende para o amor e se move impelido pelo amor, naturalmente com diferentes graus de consciência e de liberdade. “Ó Senhor, nosso Deus como é admirável o vosso nome em toda a terra” (Sl 8, 2), exclama o salmista. Falando de “nome”, a Bíblia indica o próprio Deus, sua identidade mais verdadeira; identidade que resplandece sobre toda a criação, onde cada ser, pelo próprio fato de existir e pelo “tecido” de que é feito, faz referência a um princípio transcendente, à Vida Eterna e infinita que se doa, em síntese, ao Amor. “É nele” disse São Paulo no Areópago de Atenas “que realmente vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). A prova mais forte de que fomos criados à imagem da Trindade é esta: somente o amor nos torna felizes, porque vivemos em relação, vivemos para amar e ser amados. Utilizando analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano traz no seu “genoma” o vestígio profundo da Trindade, de Deus-Amor.
Na sua humildade dócil, a Virgem Maria fez-se serva do amor divino: acolheu a vontade do Pai e concebeu o Filho por obra do Espírito Santo. Nela o Todo-Poderoso construiu para Si um templo digno, fazendo do mesmo o modelo e a imagem da Igreja, mistério e casa de comunhão para todos os homens. Maria, espelho da Santíssima Trindade, nos ajude a crescer na fé no mistério trinitário.
Papa Bento XVI
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Corpus Christi
Angelus – Praça de São Pedro – 14/06/2009
Queridos Irmãos e Irmãs,
Celebra-se hoje em diversos países, entre os quais a Itália, o Corpus Christi, a festa da Eucaristia, na qual o Sacramento do Corpo do Senhor é levado solenemente em procissão. Que significa para nós esta festa? Ela não faz pensar só no aspecto litúrgico; na realidade, o Corpus Christi é um dia que inclui a dimensão cósmica, o céu e a terra. Evoca antes de tudo pelo menos no nosso hemisfério esta estação tão bonita e perfumada na qual a primavera começa a deixar lugar ao Verão, o sol é forte no céu e nos campos amadurece o trigo. As festas da Igreja como as judaicas estão relacionadas com o ritmo do ano solar, da sementeira e das colheitas. Em particular, isto sobressai na solenidade de hoje, em cujo centro está o sinal do pão, fruto da terra e do céu. Por isso o pão eucarístico é o sinal visível d’Aquele no qual céu e terra, Deus e homem se tornaram um só. E isto mostra que a relação com as estações não é para o ano litúrgico só um aspecto exterior.
A solenidade do Corpus Christi está intimamente ligada à Páscoa e ao Pentecostes: a morte e ressurreição de Jesus e a efusão do Espírito Santo são os seus pressupostos. Além disso, está imediatamente relacionada com a festa da Trindade, celebrada no domingo passado. Unicamente porque o próprio Deus é relação, pode haver relacionamento com Ele; e só porque é amor, pode amar e ser amado. Assim o Corpus Christi é uma manifestação de Deus, uma confirmação de que Deus é amor. De uma forma única e peculiar, esta festa fala-nos do amor divino, daquilo que é e do que faz. Diz-nos, por exemplo, que ele se regenera ao doar-se, se recebe ao entregar-se, nunca falta e não se consuma como canta um hino de S. Tomás de Aquino: “nec sumptus consumitur“. O amor transforma todas as coisas, e, portanto, compreende-se que no centro da hodierna festa do Corpus Christi esteja o mistério da transubstanciação, sinal de Jesus Cristo que transforma o mundo. Olhando para Ele e adorando-O, nós dizemos: sim, o amor existe, e dado que existe, as coisas podem melhorar e nós podemos ter esperança. É a esperança que provém do amor de Cristo que nos dá a força para viver e enfrentar as dificuldades. Por isso cantamos, enquanto levamos em procissão o Santíssimo Sacramento; cantamos e louvamos a Deus que se revelou ao esconder-se no sinal do pão repartido. Todos precisamos deste Pão, porque o caminho rumo à liberdade, à justiça e à paz é longo e cansativo.
Podemos imaginar com quanta fé e amor Nossa Senhora recebeu e adorou no seu coração a Sagrada Eucaristia! Todas as vezes era para ela como reviver todo o mistério do seu Filho Jesus: desde a concepção até à ressurreição. O meu venerado e amado predecessor João Paulo II chamou-lhe “Mulher Eucarística”. Aprendamos dela a renovar continuamente a nossa comunhão com o Corpo de Cristo, para nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou.
Papa Bento XVI
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Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel
Queridos irmãos e irmãs!
Neste 4º domingo de Advento, que precede de pouco o Natal do Senhor, o Evangelho narra a visita de Maria à sua prima Isabel. Este episódio não é um simples gesto de gentileza mas representa com grande simplicidade o encontro do Antigo Testamento com o Novo. As duas mulheres, ambas grávidas, encarnam de facto a expectativa e o Esperado. A idosa Isabel simboliza Israel que espera o Messias, enquanto que a jovem Maria traz em si o cumprimento desta expectativa, em benefício de toda a humanidade. Nas duas mulheres encontram-se e reconhecem-se antes de tudo os frutos do seio de ambas, João e Cristo. Comenta o poeta cristão Prudêncio: «O menino contido no seio senil saúda, pelos lábios de sua mãe, o Senhor filho da Virgem» (Apotheosis, 590: pl 59, 970). A exultação de João no seio de Isabel é o sinal do cumprimento da expectativa: Deus está para visitar o seu povo. Na Anunciação o arcanjo Gabriel tinha falado a Maria da gravidez de Isabel (cf. Lc 1, 36) como prova do poder de Deus: a esterilidade, não obstante ela fosse idosa, tinha-se transformado em fertilidade.
Isabel, acolhendo Maria, reconhece que se está a realizar a promessa de Deus à humanidade e exclama: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 42-43). A expressão «bendita és tu entre as mulheres» refere-se no Antigo Testamento a Jael (Jz 5, 24) e a Judite (Jd 13, 18), duas mulheres guerreiras que se preocupam por salvar Israel. Agora, ao contrário, dirige-se a Maria, jovenzinha pacífica que está para gerar o Salvador do mundo. Assim também o salto de alegria de João (cf. Lc 1, 44) evoca a dança que o rei David fez quando acompanhou a entrada em Jerusalém da Arca da Aliança (cf. 1 Cor 15, 29). A Arca, que continha as tábuas da Lei, o maná e o ceptro de Aarão (cf. Hb 9, 4) era o sinal da presença de Deus no meio do seu povo. O nascituro João exulta de alegria diante de Maria, Arca da nova Aliança, que traz no seio Jesus, o Filho de Deus feito homem.
A cena da Visitação expressa também a beleza do acolhimento: onde há acolhimento recíproco e escuta, onde se dá espaço ao outro, ali estão Deus e a alegria que vem d’Ele. Imitemos Maria no tempo de Natal, visitando quantos vivem em dificuldade, em particular os doentes, os presos, os idosos e as crianças. E imitemos também Isabel que acolhe o hóspede como o próprio Deus: sem o desejar nunca conheceremos o Senhor, sem o esperar não o encontraremos, sem o procurar não o descobriremos. Com a mesma alegria de Maria que vai à pressa ter com Isabel (cf. Lc 1, 39), vamos também nós ao encontro do Senhor que vem. Rezemos para que todos os homens procurem Deus, descobrindo que é o próprio Deus que nos vem visitar primeiro. A Maria, Arca da Nova e Eterna Aliança, confiemos o nosso coração, para que o torne digno de acolher a visita de Deus no mistério do seu Natal.
Papa Bento XVI
ANGELUS
Praça de São Pedro
IV Domingo de Advento, 23 de Dezembro de 2012
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A semente que cresce sozinha e o grão de mostarda
Prezados irmãos e irmãs
A liturgia hodierna propõe-nos duas breves parábolas de Jesus: a da semente que cresce sozinha e a do grão de mostarda (cf. Mc 4, 26–34). Através de imagens tiradas do mundo da agricultura, o Senhor apresenta o mistério da Palavra e do Reino de Deus, indicando as razões da nossa esperança e do nosso compromisso.
Na primeira parábola, presta-se atenção ao dinamismo da sementeira: quer o camponês durma, quer esteja acordado, a semente que é lançada na terra germina e cresce sozinha. O homem semeia com a confiança de que o seu trabalho não será infecundo. O que sustém o agricultor na sua labuta quotidiana é precisamente a confiança na força da semente e na bondade do terreno. Esta parábola evoca o mistério da criação e da redenção, da obra fecunda de Deus na história. Ele é o Senhor do Reino, o homem é o seu colaborador humilde, que contempla e rejubila com a obra criadora divina e dela espera pacientemente os frutos. A narração final faz-nos pensar na intervenção conclusiva de Deus no fim dos tempos, quando Ele realizará plenamente o seu Reino. O tempo presente é época de sementeira, e o crescimento da semente é garantida pelo Senhor. Então, cada cristão sabe bem que deve fazer tudo aquilo que pode, mas que o resultado final depende de Deus: esta consciência ampara-o no cansaço de cada dia, de maneira especial nas situações mais difíceis. A este propósito, Santo Inácio de Loyola escreve: «Age como se tudo dependesse de ti, mas consciente de que na realidade tudo depende de Deus» (cf. Pedro de Ribadeneira, Vita di S. Ignazio di Loyola, Milano, 1998).
Também a segunda parábola utiliza a imagem da sementeira. Aqui, no entanto, trata-se de uma semente específica, o grão de mostarda, considerada a menor de todas as sementes. Porém, embora seja tão pequenina, ela está cheia de vida, e do seu partir-se nasce um rebento capaz de romper o terreno, de sair à luz do sol e de crescer até se tornar «maior que todas as hortaliças» (cf. Mc 4, 32): a debilidade é a força da semente, o romper-se é o seu poder. E assim é o Reino de Deus: uma realidade humanamente pequena, formada por quantos são pobres no coração, por quem não confia na própria força, mas na força do amor de Deus, pelos que não são importantes aos olhos do mundo; e no entanto, é precisamente através deles que irrompe a força de Cristo e transforma aquilo que é aparentemente insignificante.
A imagem da semente é particularmente querida a Jesus, porque expressa bem o mistério do Reino de Deus. Nas duas parábolas de hoje, ele representa um «crescimento» e um «contraste»: o crescimento que se verifica graças a um dinamismo ínsito na própria semente e o contraste que existe entre a pequenez da semente e a grandeza daquilo que ela produz. A mensagem é clara: não obstante exija a nossa colaboração, o Reino de Deus é antes de tudo dom do Senhor, graça que precede o homem e as suas obras. A nossa pequena força, aparentemente impotente diante dos problemas do mundo, se for introduzida na força de Deus, não teme obstáculos porque a vitória do Senhor é certa. É o milagre do amor de Deus que faz germinar e crescer cada semente de bem espalhada na terra. E a experiência deste milagre de amor leva-nos a ser optimistas, apesar das dificuldades, dos sofrimentos e do mal que nós encontramos. A semente germina e cresce, porque é o amor de Deus que a faz crescer. A Virgem Maria, que acolheu como «terra boa» a semente da Palavra divina, fortaleça em nós esta fé e esta esperança.
Depois do Angelus
Na próxima quarta-feira, 20 de Junho, será celebrado o Dia Mundial do Refugiado, promovido pelas Nações Unidas. Ele deseja chamar a atenção da comunidade internacional para as condições de numerosas pessoas, especialmente famílias, obrigadas a fugir das próprias terras porque são ameaçadas pelos conflitos armados e por graves formas de violência. Por estes irmãos e irmãs tão provados, asseguro a oração e a solicitude constante da Santa Sé, enquanto formulo votos a fim de que os seus direitos sejam respeitados sempre, e que eles possam depressa unir-se aos seus entes queridos.
Papa Bento XVI
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 17 de Junho de 2012
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Solenidade da Natividade de São João Batista
Queridos irmãos e irmãs!
Hoje, 24 de Junho, a liturgia convida-nos a celebrar a solenidade do Nascimento de São João Batista, cuja vida está toda orientada para Cristo, como a da mãe d’Ele, Maria. João Batista foi o precursor, a “voz” enviada para anunciar o Verbo encarnado. Por isso, comemorar o seu nascimento significa na realidade celebrar Cristo, cumprimento das promessas de todos os profetas, dos quais o Batista foi o maior, chamado para “preparar o caminho” diante do Messias (cf. Mt 11, 9-10).
Todos os Evangelhos iniciam a narração da vida pública de Jesus com a narração do seu batismo no rio Jordão por obra de João. São Lucas situa a entrada em cena do Batista com uma moldura histórica solene. Também o meu livro Jesus de Nazaré se inspira no batismo de Jesus no Jordão, acontecimento que teve grande ressonância no seu tempo. De Jerusalém e de todas as partes da Judeia o povo acorria para ouvir João Baptista e fazer-se batizar por ele no rio, confessando os próprios pecados (cf. Mc 1, 5). A fama do profeta batizador cresceu a tal ponto que muitos perguntavam se era ele o Messias. Mas ele ressalta o evangelista negou-o decididamente: “Eu não sou o Messias” (Jo 1, 20). Contudo, ele permanece a primeira “testemunha” de Jesus, tendo recebido a indicação do Céu: “Aquele sobre Quem vires o Espírito descer e permanecer é que batiza no Espírito Santo” (Jo 1, 33). Isto acontece precisamente quando Jesus, tendo recebido o batismo, saiu da água: João viu descer sobre Ele o Espírito como uma pomba. Foi então que “conheceu” a plena realidade de Jesus de Nazaré, e começou a dá-lo a “conhecer a Israel” (Jo 1, 31), indicando-o como Filho de Deus e redentor do homem: “Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).
De profeta autêntico, João deu testemunho da verdade sem condescendências. Denunciou as transgressões dos mandamentos de Deus, também quando os protagonistas eram os poderosos.
Assim, quando acusou de adultério Herodes e Herodíades, pagou com a vida, selando com o martírio o seu serviço a Cristo, que é a Verdade em pessoa. Invoquemos a sua intercessão, juntamente com a de Maria Santíssima, para que também nos nossos dias a Igreja saiba manter-se sempre fiel a Cristo e testemunhar com coragem a sua verdade e o seu amor a todos.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Domingo, 24 de Junho de 2007
Solenidade da Natividade de São João Baptista
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Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo
Queridos Irmãos e Irmãs!
A festa dos santos Apóstolos Pedro e Paulo é ao mesmo tempo uma grata memória das grandes testemunhas de Jesus Cristo e uma solene confissão em favor da Igreja una, santa, católica e apostólica. É antes de tudo uma festa da catolicidade. É sinal do Pentecostes a nova comunidade que fala em todas as línguas e une todos os povos num único povo, numa família de Deus e este sinal tornou-se realidade. A nossa assembleia litúrgica, na qual estão reunidos Bispos provenientes de todas as partes do mundo, pessoas de numerosas culturas e nações, é uma imagem da família da Igreja distribuída sobre toda a terra. Estrangeiros tornaram-se amigos; não obstante todos os confins, reconhecemo-nos irmãos. Com isto é levada a cabo a missão de São Paulo, que sabia “ser para os gentios um ministro de Cristo Jesus, que administra o Evangelho de Deus como um sacerdote, a fim de que a oferenda dos gentios, santificada pelo Espírito Santo, lhe seja agradável” (Rm 15, 16). A finalidade da missão é uma humanidade que se tornou uma glorificação viva de Deus, o culto verdadeiro que Deus espera: eis o sentido mais profundo da catolicidade uma catolicidade que já nos foi doada e para a qual, contudo, nos devemos encaminhar sempre de novo. A catolicidade exprime só uma dimensão horizontal, a reunião de muitas pessoas na unidade; exprime também uma dimensão vertical: só dirigindo o olhar para Deus, só abrindo-nos a Ele nos podemos tornar verdadeiramente uma coisa só. Como Paulo, assim também Pedro veio a Roma, à cidade que era o lugar de convergência de todos os povos e que por isso podia tornar-se antes de qualquer outra, a expressão da universalidade do Evangelho. Empreendendo a viagem de Jerusalém para Roma, certamente ele sabia que era guiado pelas vozes dos profetas, da fé e da oração de Israel. De facto, faz parte também do anúncio da Antiga Aliança a missão a todo o mundo: o povo de Israel estava destinado a ser luz para os povos. O grande salmo da Paixão, o salmo 21, cujo primeiro versículo “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Jesus pronunciou na cruz, este salmo terminava com a visão: “Hão-de lembrar-se do Senhor e voltar-se para Ele todos os confins da terra; hão-de prostrar-se diante dele todos os povos e nações” (Sl 21, 28). Quando Pedro e Paulo vieram a Roma o Senhor, que iniciara aquele Salmo na cruz, tinha ressuscitado; esta vitória de Deus devia ser agora anunciada a todos os povos, cumprindo assim a promessa com a qual o salmo se concluía.
Catolicidade significa universalidade multiplicidade que se torna unidade; unidade que permanece contudo multiplicidade. Da palavra de Paulo sobre a universalidade da Igreja já vimos que faz parte desta unidade a capacidade que os povos têm de se superar a si mesmos, para olhar para o único Deus. O verdadeiro fundador da teologia católica, Santo Ireneu de Lião, no século II, expressou este vínculo entre catolicidade e unidade de maneira muito bonita, e cito-o. Diz: “A Igreja espalhada em todo o mundo conserva esta doutrina e esta fé com diligência, formando quase uma única família: a mesma fé com uma só alma e um só coração, a mesma pregação, ensinamento, tradição como se tivesse uma só boca. São diversas as línguas segundo as religiões, mas a força da tradição é única e a mesma. As Igrejas da Alemanha não têm uma fé ou tradição diversas, nem as da Espanha, da Gália, do Egipto, da Líbia, do Oriente, nem as do centro da terra; como o sol criatura de Deus é um só e idêntico em todo o mundo, assim a luz da verdadeira pregação resplandece em toda a parte e ilumina os homens que desejam chegar ao conhecimento da verdade” (Adv. haer. I 10, 2). A unidade dos homens na sua multiplicidade tornou-se possível porque Deus, este único Deus do céu e da terra, se mostrou a nós; porque a verdade fundamental sobre a nossa vida, sobre o nosso “de onde?”, se tornou visível quando Ele se mostrou a nós e em Jesus Cristo nos mostrou o seu rosto, a si mesmo. Esta verdade sobre a essência do nosso ser, sobre o nosso viver e o nosso morrer, verdade que de Deus se tornou visível, une-nos e faz de nós irmãos. Catolicidade e unidade caminham juntas. E a unidade tem um conteúdo: a fé que os Apóstolos nos transmitiram da parte de Cristo.
Sinto-me feliz porque ontem na festa de santo Ireneu e vigília da solenidade dos santos Pedro e Paulo pude entregar à Igreja uma nova guia para a transmissão da fé, que nos ajuda a conhecer melhor e depois também a viver melhor a fé que nos une: o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. O que no grande Catecismo, mediante os testemunhos dos santos de todos os séculos e com as reflexões maduradas na teologia, é apresentado em pormenor, é recapitulado neste livro, nos seus conteúdos fundamentais, que depois devem ser interpretados na linguagem quotidiana e concretizados sempre de novo. O livro estrutura-se como diálogo de perguntas e respostas; quatorze imagens associadas aos vários campos da fé convidam à contemplação e à meditação. Resumem por assim dizer de modo visível o que a palavra desenvolve nos pormenores. No início está um ícone de Cristo do século VI, que se encontra no monte Athos e representa Cristo na sua dignidade de Senhor da terra, mas ao mesmo tempo, como arauto do Evangelho, que tem nas mãos. “Eu sou aquele que sou” este misterioso nome de Deus proposto na Antiga Aliança está ali representado como o seu próprio nome: tudo o que existe vem d’Ele; Ele é a fonte originária de todos os seres. E por isso é único, também está sempre presente, está sempre perto de nós e ao mesmo tempo precede-nos sempre: como “indicador” no caminho da nossa vida, aliás, sendo Ele mesmo o caminho. Não se pode ler este livro como se lê um romance. É preciso meditá-lo com calma em cada uma das suas partes e permitir que o seu conteúdo, mediante as imagens, penetre na alma. Espero que seja acolhido desta forma e se possa tornar uma boa guia na transmissão da fé.
Dissemos que catolicidade da Igreja e unidade da Igreja caminham juntas. O facto que ambas as dimensões se tornem visíveis a nós nas figuras dos santos Apóstolos indica-nos já a característica sucessiva da Igreja: ela é apostólica. O que significa? O Senhor instituiu doze Apóstolos, assim como doze eram os filhos de Jacob, indicando-os como arquétipos do povo de Deus que, tendo-se já tornado universal, daquele momento em diante abrange todos os povos. São Marcos diz-nos que Jesus chamou os Apóstolos para que “andassem com Ele e também para os enviar” (Mc 3, 14). Parece quase uma contradição. Nós diríamos: ou estão com Ele ou são enviados e põem-se a caminho. Há uma palavra do Santo Papa Gregório Magno sobre os anjos, que nos ajuda a desfazer tal contradição. Ele diz que os anjos são sempre enviados e ao mesmo tempo estão sempre diante de Deus, e continua: “Onde quer que sejam enviados, onde quer que vão, caminham sempre no seio de Deus” (Homilia 34, 13). O Apocalipse qualificou os Bispos como “anjos” da sua Igreja, e por conseguinte, podemos fazer esta aplicação: os Apóstolos e os seus sucessores deveriam estar sempre com o Senhor e precisamente assim onde quer que vão estar sempre em comunhão com Ele e viver desta comunhão.
A Igreja é apostólica, porque confessa a fé dos Apóstolos e procura vivê-la. Existe uma unicidade que caracteriza os Doze chamados pelo Senhor, mas existe ao mesmo tempo uma continuidade na missão apostólica. São Pedro na sua primeira carta qualificou-se como “copresbítero” com os presbíteros aos quais escreve (5, 1). E com isto expressou o princípio da sucessão apostólica: o mesmo ministério que ele tinha recebido do Senhor continua agora na Igreja graças à ordenação sacerdotal. A Palavra de Deus não está só escrita mas, graças às testemunhas que o Senhor, no sacramento, inseriu no ministério apostólico, permanece palavra viva. Assim me dirijo agora a vós, queridos irmãos Bispos. Saúdo-vos com afecto, juntamente com os vossos familiares e com os peregrinos das respectivas Dioceses. Estais para receber o pálio das mãos do Sucessor de Pedro. Fizemo-lo abençoar, como pelo próprio Pedro, pondo-o ao lado do seu túmulo. Agora ele é expressão da nossa responsabilidade comum diante do “supremo pastor”, Jesus Cristo, do qual fala Pedro (1 Pd 5, 4). O pálio é a expressão da nossa missão apostólica. É expressão da nossa comunhão, que no ministério petrino tem a sua garantia visível. Com a unidade, assim como com a apostolicidade, está relacionado o serviço petrino, que reúne visivelmente a Igreja de todas as partes e de todos os tempos, impedindo assim que todos nós escorreguemos para falsas autonomias, que muito facilmente se transformam em particularismos da Igreja e podem comprometer a sua independência. Com isto não queremos esquecer que o sentido de todas as funções e ministérios no fundo é que “cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo”, para que cresça o corpo de Cristo “para se construir a si próprio no amor” (Ef 4, 13.16).
Nesta perspectiva saúdo de coração e com gratidão a delegação da Igreja ortodoxa de Constantinopla, que é enviada pelo Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, ao qual dirijo um pensamento cordial. Guiada pelo Metropolita Ioannis, veio a esta nossa festa e participa na nossa celebração. Mesmo se ainda não concordamos sobre a questão da interpretação e do alcance do ministério petrino, estamos contudo unidos na sucessão apostólica, estamos profundamente unidos uns aos outros pelo ministério episcopal e pelo sacramento do sacerdócio e confessamos juntos a fé dos Apóstolos como nos é dada nas Escrituras e como é interpretada nos grandes Concílios. Neste momento do mundo cheio de cepticismo e de dúvidas, mas também rico de desejo de Deus, reconhecemos novamente a nossa missão comum de testemunhar juntos Cristo Senhor e, com base naquela unidade que já nos é dada, ajudar o mundo para que creia. E suplicamos ao Senhor com todo o coração para que nos guie à unidade plena de forma que o esplendor da verdade, a única que pode criar a unidade, se torne de novo visível no mundo.
O Evangelho deste dia fala-nos da confissão de São Pedro que deu origem ao início da Igreja: “Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16). Tendo falado hoje da Igreja una, católica e apostólica, mas ainda não da Igreja santa, desejamos recordar neste momento outra confissão de Pedro pronunciada em nome dos Doze no momento do grande abandono: “Por isso nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 69). O que isto significa? Jesus, na grande oração sacerdotal, diz que se santifica pelos discípulos, fazendo alusão ao sacrifício da sua morte (Jo 17, 19). Com isto Jesus exprime implicitamente a sua função de verdadeiro Sumo Sacerdote que realiza o mistério do “Dia da Reconciliação”, não apenas nos ritos substitutivos, mas na concretização do seu próprio Corpo e Sangue. A palavra “o Santo de Deus” no Antigo Testamento indicava Aarão como Sumo Sacerdote que tinha a tarefa de realizar a santificação de Israel (Sl 105, 16; cf. Sr 45, 6). A confissão de Pedro em favor de Cristo, que ele declara o Santo de Deus, está no contexto do discurso eucarístico, no qual Jesus anuncia o grande Dia da Reconciliação mediante a oferenda de si mesmo em sacrifício: “O pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo” (Jo 6, 51). Assim, no quadro desta confissão, encontra-se o mistério sacerdotal de Jesus, o seu sacrifício por todos nós. A Igreja não é santa por si só; consiste de facto de pecadores todos nós o sabemos e vemos. Mas ela é sempre de novo santificada pelo Santo de Deus, pelo amor purificador de Cristo. Deus não falou apenas: amou-nos de modo muito realista, amou-nos até à morte do próprio Filho. É precisamente disto que se nos mostra toda a grandeza da revelação que quase inscreveu no coração do próprio Deus as feridas. Então, cada um de nós pode dizer pessoalmente com São Paulo: “Vivo na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2, 20). Peçamos ao Senhor para que a verdade desta palavra se imprima profundamente, com a sua alegria e responsabilidade, no nosso coração; rezemos para que irradiando-se da Celebração eucarística, ela se torne cada vez mais a força que plasma a nossa vida.
PAPA BENTO XVI
Homilia na SOLENIDADE DOS SANTOS
APÓSTOLOS PEDRO E PAULO
Quarta-feira, 29 de Junho de 2005
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“Nemo propheta in patria” – 14º Domingo Comum Ano B
Queridos irmãos e irmãs!
Gostaria de falar brevemente sobre o trecho evangélico deste domingo, um texto do qual é tirado o célebre dito «Nemo propheta in patria», isto é, nenhum profeta é bem aceito pelo seu povo, que o viu crescer (cf. Mc6, 4). Com efeito, depois de Jesus, com quase trinta anos, ter deixado Nazaré e já há algum tempo pregava e fazia curas noutras partes, regressou uma vez à sua terra e pôs-se a ensinar na sinagoga. Os seus concidadãos «ficaram admirados» pela sua sabedoria e, conhecendo-o como o «filho de Maria», o «carpinteiro» que viveu no meio deles, em vez de o receber com fé ficaram escandalizados com Ele (cf. Mc 6, 2-3). Este fato é compreensível, porque a familiaridade a nível humano torna difícil ir além e abrir-se à dimensão divina. Eles têm dificuldade de acreditar que este Filho de um carpinteiro seja Filho de Deus. O próprio Jesus dá como exemplo a experiência dos profetas de Israel, que precisamente na sua pátria tinham sido objeto de desprezo, e identifica-se com eles. Devido a este fechamento espiritual, Jesus não pôde realizar em Nazaré «milagre algum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos» (Mc 6, 5). Com efeito, os milagres de Cristo não são uma exibição de poder, mas sinais de amor de Deus, que se realiza onde encontra a fé do homem na reciprocidade. Escreve Orígenes: «Do mesmo modo que para os corpos existe uma atração natural da parte de uns para com os outros, como o ferro atrai o imã… também tal fé exerce uma atração sobre o poder divino» (Comentário ao Evangelho de Mateus 10, 19).
Portanto, parece que Jesus se resigna — como se diz — ao mau acolhimento que encontra em Nazaré. Ao contrário, no final da narração encontramos uma observação que diz precisamente o contrário. Escreve o Evangelista que Jesus «se admira com a incredulidade deles (Mc 6, 6). À admiração dos cidadãos, que se escandalizam, corresponde a maravilha de Jesus. Também Ele, num certo sentido, se escandaliza! Não obstante saiba que profeta algum é bem aceito na pátria, todavia o fechamento do coração do seu povo permanece para Ele obscuro, impenetrável: como é possível que não reconheçam a luz da Verdade? Por que não se abrem à bondade de Deus, que quis partilhar a nossa humanidade? Com efeito, o homem Jesus de Nazaré é a transparência de Deus, n’Ele Deus habita plenamente. E enquanto nós procuramos sempre outros sinais, outros prodígios, não nos apercebemos de que o verdadeiro Sinal é Ele, Deus feito carne, é Ele o maior milagre do universo: todo o amor de Deus contido num coração humano, num rosto de homem.
Aquela que compreendeu deveras esta realidade foi a Virgem Maria, bem-aventurada porque acreditou (cf. Lc 1, 45). Maria não se escandalizou com o seu Filho: a sua admiração por Ele é cheia de fé, de amor e de alegria, ao vê-lo tão humano e ao mesmo tempo tão divino. Por conseguinte, aprendamos dela, nossa Mãe na fé, a reconhecer na humanidade de Cristo a perfeita revelação de Deus.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo, 8 de Julho de 2012
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“e começou a enviá-los dois a dois…”
Amados irmãos e irmãs!
No calendário litúrgico, a 15 de Julho celebra-se a memória de são Boaventura de Bagnoregio, franciscano, Doutor da Igreja, sucessor de são Francisco de Assis na guia da Ordem dos Frades Menores. Ele escreveu a primeira biografia oficial do Pobrezinho, e no final da vida foi também Bispo desta Diocese de Albano. Numa das suas cartas, Boaventura escreve: «Confesso diante de Deus que a razão que me fez amar mais a vida de Francisco é que ela se assemelha com o início e o crescimento da Igreja» (Epistula de tribus quaestionibus, em Opere di San Bonaventura, Introduzione generale, Roma 1990, p. 29). Estas palavras remetem diretamente para o Evangelho deste domingo, que apresenta o primeiro envio em missão dos Doze Apóstolos por parte de Jesus. «Jesus chamou os Doze — narra são Marcos — e começou a enviá-los dois a dois… Ordenou-lhes que não levassem para o caminho a não ser um cajado: nem pão, nem alforge, nem dinheiro no cinto; que fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas» (Mc 6, 7-9). Francisco de Assis, depois da sua conversão, praticou à letra este evangelho, tornando-se uma testemunha fidelíssima de Jesus; e associado de modo singular ao mistério da Cruz, foi transformado num «outro Cristo», como precisamente são Boaventura o apresenta.
Toda a vida de são Boaventura, assim como a sua teologia têm como centro inspirador Jesus Cristo. Encontramos esta centralidade de Cristo na segunda Leitura da Missa de hoje (Ef 1, 3-14), o célebre hino da Carta de são Paulo aos Efésios, que inicia assim: «Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, do alto dos Céus, nos abençoou com toda a espécie as bênçãos espirituais em Cristo». Por conseguinte, o Apóstolo mostra como se realiza este desígnio de bênção, em quatro trechos que começam todos com a mesma expressão «n’Ele», referida a Jesus Cristo. «N’Ele» temos a redenção mediante o seu sangue; «n’Ele» tornámo-nos herdeiros, predestinados a ser «louvor da sua glória»; «n’Ele» quantos crêem no Evangelho recebem o selo do Espírito Santo. Este hino paulino contém a visão da história que são Boaventura contribuiu para difundir na Igreja: toda a história tem como centro Cristo, o qual garante também a novidade e a renovação em todos os tempos. Em Jesus Deus disse e ofereceu tudo, mas dado que Ele é um tesouro inexaurível, o Espírito Santo nunca termina de revelar e de atualizar o seu mistério. Por isso, a obra de Cristo e da Igreja nunca regride, mas progride sempre.
Queridos amigos, invoquemos Maria Santíssima, que amanhã celebraremos como Virgem do Monte Carmelo, para que nos ajude a todos, como são Francisco e são Boaventura, a responder generosamente à chamada do Senhor, para anunciar o seu Evangelho de salvação com as palavras e antes de tudo com a vida.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo, 15 de Julho de 2012
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Deus é capaz de multiplicar o nosso pequeno gesto de amor
Estimados irmãos e irmãs
No domingo hodierno demos início à leitura do capítulo 5 do Evangelho de João. O capítulo começa com a cena da multiplicação dos pães, que depois Jesus comenta na sinagoga de Cafarnaúm, indicando em Si mesmo o «pão» que dá a vida. As obras realizadas por Jesus são paralelas às da Última Ceia: «Tomou os pães e deu graças. Em seguida, distribuiu-os a quantos estavam sentados» — assim diz o Evangelho (Jo 6, 11). A insistência sobre o tema do «pão», que é compartilhado, e sobre a acção de graças (cf. v. 11, em grego eucharistesas), evocam a Eucaristia, o Sacrifício de Cristo para a salvação do mundo.
O Evangelista observa que a Páscoa, a festa, já estava próxima (cf. v. 4). O olhar orienta-se para a Cruz, o dom de amor, e para a Eucaristia, o perpetuar-se deste dom: Cristo faz-se pão de vida para os homens. Santo Agostinho comenta assim: «Quem, a não ser Cristo, é o pão do céu? Mas para que o homem pudesse comer o pão dos anjos, o Senhor dos anjos fez-se homem. Se isto não se tivesse realizado, não teríamos o seu corpo; sem termos o corpo que lhe é próprio, não comeríamos o pão do altar» (Sermão 130, 2). A Eucaristia é o grande encontro permanente do homem com Deus, em que o Senhor se faz nosso alimento, em que se oferece a Si próprio para nos transformar n’Ele mesmo.
Na cena da multiplicação é indicada também a presença de um jovem que, diante da dificuldade de dar de comer a tantas pessoas, põe em comum aquele pouco de que dispõe: cinco pães e dois peixes (cf. Jo 6, 8). O milagre não se realiza a partir do nada, mas de uma primeira partilha modesta daquilo que um jovem simples possuía. Jesus não nos pede aquilo de que não dispomos, mas faz-nos ver que se cada um oferecer o pouco que tiver, pode realizar-se sempre de novo o milagre: Deus é capaz de multiplicar o nosso pequeno gesto de amor e tornar-nos partícipes do seu dom. A multidão admira-se com o prodígio: vê em Jesus o novo Moisés, digno do poder, e no novo maná, o futuro assegurado, mas limita-se ao elemento material que comeram, e o Senhor «compreendendo que queriam arrebatá-lo para fazer dele um rei, voltou a retirar-se sozinho no monte» (Jo 6, 15). Jesus não é um rei terreno que exerce o domínio, mas um rei que serve, que se debruça sobre o homem para saciar não apenas a fome material, mas sobretudo a fome mais profunda, a fome de orientação, de sentido e de verdade, a fome de Deus.
Caros irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor que nos faça redescobrir a importância de nos alimentarmos não só de pão, mas de verdade, de amor, de Cristo, do corpo de Cristo, participando fielmente e com grande consciência na Eucaristia, para estarmos cada vez mais intimamente unidos a Ele. Com efeito, «não é o alimento eucarístico que se transforma em nós, mas somos nós que acabamos misteriosamente mudados por ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; “atrai-nos para dentro de Si”» (Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, 70). Ao mesmo tempo, desejamos rezar a fim de que jamais falte a ninguém o pão necessário para uma vida digna, e sejam abatidas as desigualdades não com as armas da violência, mas com a partilha e o amor.
Confiemo-nos à Virgem Maria, enquanto invocamos sobre nós e sobre os nossos entes queridos a sua intercessão materna.
Depois do Angelus
Continuo a acompanhar com apreensão os trágicos e crescentes episódios de violência na Síria, com a triste sequência de mortos e feridos, também entre os civis, e um grande número de desabrigados internos e de refugiados nos países limítrofes. Para eles peço que sejam garantidas a necessária assistência humanitária e a ajuda solidária. Ao renovar a proximidade à população angustiada e a lembrança na oração, renovo um premente apelo, a fim de que se ponha termo a toda a violência e derramamento de sangue. Peço a Deus a sabedoria do coração, de modo particular para quantos têm maiores responsabilidades, a fim de que não seja poupado qualquer esforço na busca da paz, também da parte da comunidade internacional, através do diálogo e da reconciliação, em vista de uma solução política adequada do conflito. Dirijo o meu pensamento inclusive à amada Nação iraquiana, atingida nestes últimos dias por numerosos e graves atentados que provocaram muitos mortos e feridos. Possa este grande País encontrar o caminho da estabilidade, da reconciliação e da paz.
Daqui a um ano, precisamente neste período, será realizada a vigésima oitava Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, no Brasil. Trata-se de uma ocasião preciosa para numerosos jovens experimentarem a alegria e a beleza de pertencer à Igreja e viverem a fé. Olho com esperança para este acontecimento e desejo encorajar e agradecer aos organizadores, especialmente à Arquidiocese do Rio de Janeiro, comprometidos na preparação diligente da hospitalidade aos jovens que, do mundo inteiro, participarem neste importante encontro eclesial.
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Enfim, da varanda que dá para a praça em frente do Palácio Apostólico, o Papa saudou os fiéis presentes, dirigindo-lhes estas expressões.
Prezados amigos
Desejo-vos um bom domingo! Hoje ouvimos na igreja o Evangelho da multiplicação dos pães, um sinal da bondade de Deus para connosco, um sinal da bondade da criação, um sinal da bondade dos homens entre si mesmos. Procuremos fazer com que esta luz da bondade divina e nossa resplandeça também hoje em nós e no meio de nós, e assim seja verdadeiramente um bom domingo, uma boa semana. Felicitações a todos vós. Obrigado!
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo, 29 de Julho de 2012
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Trabalhai, não pelo alimento que perece
Prezados irmãos e irmãs
Na Liturgia da Palavra deste Domingo continua a leitura do capítulo 6 do Evangelho de João. Estamos na sinagoga de Cafarnaúm, onde Jesus pronuncia o seu famoso discurso depois da multiplicação dos pães. A multidão tinha procurado fazê-lo um rei, mas Jesus retirou-se, primeiro no monte com Deus, com o Pai, e depois em Cafarnaúm. Dado que não O via, começou a procurá-lo, subiu para os barcos para chegar à outra margem do lago e, finalmente, encontrou-O. Mas Jesus sabia bem o motivo de tanto entusiasmo no seu seguimento e di-lo também de modo claro: vós «procurais-me, não porque vistes os milagres, [porque o vosso coração ficou impressionado], mas porque comestes os pães e ficastes fartos» (v. 26). Jesus quer ajudar a multidão a ir além da satisfação imediata das próprias necessidades materiais, por mais importantes que sejam. Deseja abrir a um horizonte da existência que não é simplesmente o das preocupações quotidianas do comer, do vestir, da carreira. Jesus fala de um alimento que não perece, que é importante procurar e receber. Ele afirma: «Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas por aquele que dura até à vida eterna, que o Filho do Homem vos dará» (v. 27).
A multidão não compreende, e julga que Jesus pede a observância de preceitos para poder obter a continuação daquele milagre, e pergunta: «Que devemos fazer para praticar as obras de Deus?» (v. 28). A resposta de Jesus é clara: «A obra de Deus é esta: que acrediteis naquele que Ele enviou» (v. 29). O centro da existência, aquilo que dá sentido e esperança firme ao caminho muitas vezes difícil da vida é a fé em Jesus, o encontro com Cristo. Também nós perguntemos: «Que devemos fazer para ter a vida eterna?». E Jesus diz: «Acreditai em mim». A fé é o elemento fundamental. Não se trata aqui de seguir uma ideia, um programa, mas de encontrar Jesus como uma Pessoa viva, de se deixar comprometer totalmente por Ele e pelo seu Evangelho. Jesus convida a não se limitar ao horizonte puramente humano e a abrir-se ao horizonte de Deus, ao horizonte da fé. Ele exige uma única obra: aceitar o plano de Deus, ou seja, «acreditar naquele que Ele enviou» (v. 29). Moisés tinha dado a Israel o maná, o pão descido do céu com que o próprio Deus alimentara o seu povo. Jesus não concede algo, doa-se a si mesmo: Ele é o «pão verdadeiro, descido do céu», Ele, a Palavra viva do Pai; e é no encontro com Ele que acolhemos o Deus vivo.
«Que devemos fazer para praticar as obras de Deus?» (v. 28), pergunta a multidão, pronta a agir, para que o milagre do pão continue. Mas Jesus, verdadeiro pão de vida que sacia a nossa fome de sentido, de verdade, não se pode «ganhar» com o trabalho humano; Ele chega a nós somente como dom do amor de Deus, como obra de Deus que devemos pedir e acolher.
Estimados amigos, nos dias repletos de ocupações e de problemas, mas também nos dias de descanso e de lazer, o Senhor convida-nos a não esquecer que se é necessário preocupar-nos pelo pão material e retemperar as forças, é ainda mais fundamental estreitar a relação com Ele, fortalecer a nossa fé naquele que é o «pão de vida», que sacia o nosso desejo de verdade e de amor. A Virgem Maria, no dia em que recordamos a dedicação da Basílica de Santa Maria Maior em Roma, nos sustente no nosso caminho de fé.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo, 5 de Agosto de 2012
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Opor-se à obra de Deus
Estimados irmãos e irmãs!
A leitura do capítulo 6 do Evangelho de João, que nos acompanha nestes domingos na Liturgia, levou-nos a meditar sobre a multiplicação milagrosa, em que cinco pães de cevada e dois peixes foram suficientes para dar de comer a uma multidão de cinco mil homens, e sobre o convite que Jesus dirige a quantos tinha saciado, a esforçarem-se em busca de um alimento que permanece para a vida eterna. Ele quer ajudá-los a compreender o significado profundo do prodígio que realizou: saciando de modo milagroso a sua fome física, prepara-os para aceitar o anúncio segundo o qual Ele é o pão que desceu do céu (cf. Jo 6, 41), que sacia de modo definitivo. Também o povo judeu, durante o longo caminho no deserto, tinha experimentado um pão descido do céu, o maná, que o conservara em vida até à chegada à terra prometida. Pois bem, Jesus fala de si mesmo como do verdadeiro pão que desceu do céu, capaz de manter em vida não por um momento ou durante um trecho do caminho, mas para sempre. Ele é o alimento que dá a vida eterna, porque é o Filho unigénito de Deus, que se encontra no seio do Pai, vindo para doar ao homem a vida em plenitude, para introduzir o homem na vida do próprio Deus.
No pensamento judaico era claro que o verdadeiro pão do céu, que alimentava Israel, era a Lei, a palavra de Deus. O povo de Israel reconhecia com clareza que a Tora era o dom fundamental e duradouro de Moisés e que o elemento fundamental que o distinguia em relação aos outros povos consistia em conhecer a vontade de Deus e, portanto, o caminho recto da vida. Agora Jesus, manifestando-se como o pão do céu, dá testemunho de ser a Palavra de Deus encarnada, através da qual o homem pode fazer da vontade de Deus o seu alimento (cf. Jo 4, 34), que orienta e sustém a sua existência.
Então, duvidar da divindade de Jesus, como fazem os judeus na leitura do Evangelho hodierno, significa opor-se à obra de Deus. Com efeito, eles afirmam: é o filho de José! Conhecemos o seu pai e a sua mãe (cf. Jo 6, 42)! Eles não vão além das suas origens terrestres, e por isso rejeitam acolhê-lo como a Palavra de Deus que se fez carne. Santo Agostinho comenta: «Estavam distantes daquele pão celeste, e eram incapazes de sentir fome dele. A boca do seu coração estava enferma… Com efeito, este pão exige a fome interior do homem» (Homilias sobre o Evangelho de João, 26, 1). Somente quem é atraído por Deus Pai, quem o ouve e se deixa instruir por Ele pode acreditar em Jesus, encontrá-lo e alimentar-se dele para ter a vida em plenitude, a vida eterna. Santo Agostinho acrescenta: «O Senhor… afirmou que é o pão descido do céu, exortando-nos a crer nele. Com efeito, comer o pão vivo significa acreditar nele. Quem crê, come; é saciado de modo invisível, e igualmente de modo invisível renasce. Ele renasce a partir de dentro e, no seu íntimo, torna-se um homem novo» (Ibidem).
Invocando Maria Santíssima, peçamos-lhe que nos guie rumo ao encontro com Jesus, a fim de que a nossa amizade com Ele seja cada vez mais intensa; peçamos-lhe que nos introduza na plena comunhão de amor com o seu Filho, o pão descido do céu, de maneira a sermos por Ele renovados no íntimo de nós mesmos.
Depois do Angelus
Neste momento, dirijo o meu pensamento às populações asiáticas, de maneira especial das Filipinas e da República Popular Chinesa, duramente atingidas por chuvas torrenciais, assim como às do noroeste do Irão, arrasadas por um violento tremor de terra. Estes acontecimentos provocaram numerosas vítimas e feridos, milhares de desabrigados e prejuízos enormes. Convido-vos a unir-vos à minha oração por quantos perderam a vida e por todas as pessoas provadas por calamidades tão devastadoras. Não faltem a estes irmãos a nossa solidariedade e a nossa assistência.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo 12 de Agosto de 2012
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Este povo honra-me com os lábios
Estimados irmãos e irmãs!
Na Liturgia da Palavra deste domingo sobressai o tema da Lei de Deus, do seu mandamento: um elemento essencial da religião judaica e também da cristã, onde encontra o seu pleno cumprimento no amor (cf. Rm 13, 10). A Lei de Deus é a sua Palavra que orienta o homem pelo caminho da vida, que o leva a sair da escravidão do egoísmo e o introduz na «terra» da verdadeira liberdade e da vida. Por isso, na Bíblia a Lei não é vista como um peso, um limite opressor, mas como o dom mais precioso do Senhor, o testemunho do seu amor paterno, da sua vontade de estar próximo do seu povo, de ser o seu Aliado e escrever com ele uma história de amor. Assim reza o israelita piedoso: «Hei-de deleitar-me nas vossas leis; / jamais esquecerei a vossa palavra. (…) Conduzi-me pelas sendas das vossas leis, porque nelas estão as minhas delícias» (Sl 119, 16.35). No Antigo Testamento, aquele que transmite ao povo a Lei em nome de Deus é Moisés. Depois do longo caminho no deserto, no limitar da terra prometida, ele exclama assim: «E agora, Israel, ouve as leis e os preceitos que hoje vos ensinarei. Ponde-os em prática para viverdes e tomardes posse da terra que o Senhor, Deus dos vossos pais, vos dará» (Dt 4, 1).
Eis o problema: quando o povo se estabelece na terra e é depositário da Lei, sente-se tentado a depositar a sua segurança e a sua alegria em algo que já não é a Palavra do Senhor: nos bens, no poder e noutras «divindades» que na realidade são vãs, são ídolos. Sem dúvida, a Lei de Deus permanece, mas já não é a realidade mais importante, a regra da vida; ao contrário, torna-se um revestimento, uma cobertura, enquanto a vida segue outros percursos, outras regras, interesses muitas vezes egoístas, individuais e de grupo. E assim a religião perde o seu sentido autêntico, que consiste em viver na escuta de Deus para cumprir a sua vontade — que é a verdade do nosso ser — e assim viver bem, na verdadeira liberdade, e reduz-se à prática de costumes secundários, que satisfazem sobretudo a necessidade humana de descarregar a consciência em relação a Deus. E este é um grave risco de cada religião, que Jesus observou na sua época, mas que se pode verificar, infelizmente, também na cristandade. Por isso, as palavras de Jesus no Evangelho de hoje contra os escribas e os fariseus devem fazer pensar também em nós. Jesus faz suas as palavras do profeta Isaías: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, pois, prestam-me culto, ensinando doutrinas e preceitos humanos» (Mc 7, 6-7; cf. Is 29, 13). E, depois, conclui: «Deixando de lado o mandamento de Deus, apegais-vos à tradição dos homens» (Mc 7, 8).
Também o apóstolo Tiago, na sua Carta, alerta para o perigo de uma religiosidade falsa. Ele escreve aos cristãos: «Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos» (Tg 1, 22). A Virgem Maria, à qual agora nos dirigimos em oração, nos ajude a ouvir a Palavra de Deus com um coração aberto e sincero, para que oriente todos os dias os nossos pensamentos, escolhas e obras.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo
Domingo, 2 de Setembro de 2012
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Também vós quereis retirar-vos?
Queridos irmãos e irmãs!
Meditámos nos domingos passados sobre o discurso do «pão da vida», que Jesus pronunciou na sinagoga de Cafarnaum depois de ter dado de comer a milhares de pessoas com cinco pães e dois peixes. Hoje, o Evangelho apresenta a reacção dos discípulos àquele discurso, uma reacção que o próprio Cristo, conscientemente, provocou. Antes de tudo, o evangelista João — que estava presente com os outros apóstolos — refere que «a partir de então muitos dos seus discípulos voltaram atrás e já não andavam com Ele» (Jo 6, 66). Por quê? Porque não acreditaram nas palavras de Jesus, que dizia: Eu sou o pão vivo que desceu do céu, quem comer a minha carne e beber o meu sangue viverá eternamente (cf. Jo 6, 51.54); deveras palavras que neste momento dificilmente são aceites, compreensíveis. Esta revelação — como disse — era para eles incompreensível, porque a entendiam em sentido material, mas naqueles palavras estava prenunciado o mistério pascal de Jesus, no qual Ele se teria oferecido a si mesmo pela salvação do mundo: a nova presença na Sagrada Eucaristia.
Ao ver que muitos dos seus discípulos se iam embora, Jesus dirigiu-se aos Apóstolos dizendo: «Também vós quereis retirar-vos?» (Jo 6, 67). Como noutras situações, é Pedro quem responde em nome dos Doze: «Senhor, para quem havemos nós de ir? — Também nós podemos reflectir: para quem havemos nós de ir? — Tu tens palavras de vida eterna e nós acreditamos e sabemos que és o Santo de Deus» (Jo 6, 68-69). Temos sobre este trecho um bonito comentário de Santo Agostinho, que diz, numa das suas pregações sobre João 6: «Vede como Pedro, por graça de Deus, por inspiração do Espírito Santo, compreendeu? Por que compreendeu? Porque acreditou. Tu tens palavras de vida eterna. Tu dás-nos a vida eterna, oferecendo-nos o teu corpo [ressuscitado] e o teu sangue [a ti mesmo]. E nós acreditamos e conhecemos. Não diz: conhecemos e depois acreditamos, mas acreditamos e depois conhecemos. Acreditamos para poder conhecer; de facto, se tivéssemos querido conhecer antes de crer, não teríamos conseguido nem conhecer nem crer. O que acreditámos e o que conhecemos? Que Tu és o Cristo Filho de Deus, ou seja, que Tu és a própria vida eterna, e na carne e no sangue nos dás aquilo que Tu mesmo és» (Comentário ao Evangelho de João, 27, 9). Assim disse santo Agostinho numa das suas pregações aos seus crentes.
Por fim, Jesus sabia que também entre os doze Apóstolos havia um que não acreditava: Judas. Também Judas teria podido ir-se embora, como fizeram muitos discípulos; aliás, talvez devesse ir-se embora, se tivesse sido honesto. Ao contrário, ficou com Jesus. Não ficou por fé, nem por amor, mas com o propósito secreto de se vingar do Mestre. Por quê? Porque Judas se sentia traído por Jesus, e decidiu que por sua vez o teria traído. Judas era um zelote, e queria um Messias vencedor, que guiasse uma revolta contra os Romanos. Jesus desiludiu estas expectativas. O problema é que Judas não se foi embora, e a sua culpa mais grave foi a falsidade, que é a marca do diabo. Por isso, Jesus disse aos Doze: «Um de vós é um demónio!» (Jo 6, 70). Peçamos à Virgem Maria, para que nos ajude a crer em Jesus, como são Pedro, e a ser sempre sinceros com Ele e com todos.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo, 26 de Agosto de 2012
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Quem dizem os homens que eu sou?
Amados irmãos e irmãs!
«Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 1, 3). Bendito seja Ele neste dia em que tenho a alegria de me encontrar convosco aqui, no Líbano, para entregar aos Bispos da região a Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente. Agradeço cordialmente a Sua Beatitude Béchara Boutros Raïas amáveis palavras de boas-vindas. Saúdo os outros Patriarcas e os Bispos das Igrejas orientais, os Bispos latinos das regiões vizinhas bem como os Cardeais e os Bispos vindos doutros países. Com grande afecto, saúdo a todos vós, queridos irmãos e irmãs do Líbano e também dos países de toda esta amada região do Médio Oriente, que viestes celebrar, com o sucessor de Pedro, Jesus Cristo crucificado, morto e ressuscitado. Dirijo também a minha deferente saudação ao Presidente da República e às Autoridades libanesas, aos Responsáveis e aos membros das outras tradições religiosas que quiseram estar aqui nesta manhã.
Neste domingo em que o Evangelho nos interpela sobre a verdadeira identidade de Jesus, sentimo-nos a caminhar com os discípulos na estrada que leva às aldeias da região de Cesareia de Filipe. «E quem dizeis vós que Eu sou?» (Mc 8, 29): pergunta-lhes Jesus. O momento escolhido para lhes colocar esta questão não é sem significado. Jesus encontra-se num ponto de viragem decisiva da sua vida. Sobe para Jerusalém, para o lugar onde será realizado, através da cruz e ressurreição, o acontecimento central da nossa salvação. É também em Jerusalém que, depois de todos estes acontecimentos, vai nascer a Igreja. E, neste momento decisivo, Jesus começa por perguntar aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou?» (Mc 8, 27), recebendo deles respostas muito variadas: João Batista, Elias, um profeta… Ainda hoje, como ao longo dos séculos, aqueles que, de diversas maneiras, se cruzaram com Jesus no seu caminho têm a sua resposta a dar. São abordagens que podem ajudar a encontrar o caminho da verdade. Mas as mesmas, embora não sejam necessariamente falsas, são insuficientes, porque não atingem o cerne da identidade de Jesus. Só alguém que aceite seguir pelo seu caminho, viver em comunhão com Ele na comunidade dos discípulos, é que pode ter um verdadeiro conhecimento. Tal é o caso de Pedro, que, desde há algum tempo, vive com Jesus e que agora responde: «Tu és o Messias» (Mc 8, 29). Resposta certa, sem dúvida alguma; mas ainda insuficiente, dado que Jesus sente a necessidade de a especificar. Ele entrevê que as pessoas poderiam servir-se desta resposta para desígnios que não são os seus, para suscitar falsas esperanças temporais sobre Ele. Não se deixa bloquear nos simples atributos do libertador humano que muitos esperam.
Anunciando aos seus discípulos que terá de sofrer, ser condenado à morte e depois ressuscitar, Jesus quer fazer-lhes compreender quem Ele é verdadeiramente. Um Messias sofredor, um Messias servo, e não um libertador político omnipotente. Ele é o Servo obediente à vontade de seu Pai até ao ponto de perder a sua vida. É o que anunciava já o profeta Isaías na primeira leitura. Assim Jesus vai contra o que muitos esperavam d’Ele. A sua afirmação choca e desconcerta. E ouve-se o protesto de Pedro, que O censura, recusando para o seu Mestre o sofrimento e a morte. Jesus mostra-se severo com ele, e faz-lhe compreender que aquele que quiser ser seu discípulo deve aceitar ser servo, como Ele Se fez Servo.
Seguir Jesus significa tomar a própria cruz para O acompanhar pelo seu caminho, um caminho incómodo que não é o do poder nem da glória terrena, mas o que leva necessariamente a renunciar a si mesmo, a perder a sua vida por Cristo e pelo Evangelho, a fim de a salvar. É que nos foi dada a certeza de que este caminho leva à ressurreição, à vida verdadeira e definitiva com Deus. Decidir acompanhar Jesus Cristo que Se fez o Servo de todos exige uma intimidade cada vez maior com Ele, colocando-se atentamente à escuta da sua Palavra, a fim de tirar dela a inspiração para o nosso agir. Ao promulgar o Ano da Fé, que começará em 11 de Outubro próximo, quis que cada fiel pudesse comprometer-se de maneira renovada neste caminho da conversão do coração. Por isso, ao longo deste ano, encorajo-vos vivamente a aprofundar a vossa reflexão sobre a fé para a tornar mais consciente e fortalecer a vossa adesão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho.
Irmãos e irmãs, o caminho por onde Jesus nos quer conduzir é um caminho de esperança para todos. A glória de Jesus revela-se no momento em que, na sua humanidade, Ele Se mostra mais frágil, especialmente na encarnação e na cruz. É assim que Deus manifesta o seu amor, fazendo-Se servo, dando-Se a nós. Porventura não é este um mistério extraordinário, por vezes difícil de admitir? O próprio apóstolo Pedro só o compreenderá mais tarde.
Na segunda leitura, São Tiago lembrou-nos como este seguimento de Jesus, para ser autêntico, exija actos concretos: «Pelas obras, te mostrarei a minha fé» (Tg 2, 18). Servir é uma exigência imperativa para a Igreja, de modo que os cristãos são verdadeiros servos à imagem de Jesus. O serviço é um elemento constitutivo da identidade dos discípulos de Cristo (cf. Jo 13, 15-17). A vocação da Igreja e do cristão é servir; e fazê-lo, como o próprio Senhor, gratuitamente e a todos sem distinção. Assim, servir a justiça e a paz, num mundo onde a violência não cessa de alongar o seu rasto de morte e destruição, é uma urgência de modo a comprometer-se em prol duma sociedade fraterna, para edificar a comunhão. Amados irmãos e irmãs, peço ao Senhor de modo particular que conceda a esta região do Médio Oriente servidores da paz e da reconciliação, para que todos possam viver pacífica e dignamente. É um testemunho essencial que os cristãos devem prestar aqui, em colaboração com todas as pessoas de boa vontade. Eu vos convido a todos a trabalhar pela paz; cada qual ao seu nível e no lugar onde se encontra.
Além disso o serviço deve estar no centro da vida da própria comunidade cristã. Todo o ministério, toda a função na Igreja é primariamente um serviço a Deus e aos irmãos. É este espírito que deve animar todos os baptizados, uns em relação aos outros, especialmente através dum compromisso efectivo a favor dos mais pobres, dos marginalizados, daqueles que sofrem, para que seja preservada a dignidade inalienável de toda a pessoa.
Queridos irmãos e irmãs que sofreis no corpo ou no coração, o vosso sofrimento não é inútil. Cristo Servo está perto de todos aqueles que sofrem. Está presente junto de vós. Oxalá encontreis no vosso caminho irmãos e irmãs que manifestem concretamente a presença amorosa de Cristo, que não vos pode abandonar. Permanecei cheios de esperança por causa de Cristo!
E vós todos, irmãos e irmãs, que viestes participar nesta celebração, procurai tornar-vos cada vez mais conformes ao Senhor Jesus, Ele que Se fez Servo de todos pela vida do mundo. Deus abençoe o Líbano, abençoe todos os povos desta amada região do Médio Oriente e lhes conceda o dom da sua paz. Amen.
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
SANTA MISSA E ENTREGA DA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
PÓS-SINODAL PARA O MÉDIO ORIENTE
Beirut City Center Waterfront
Domingo, 16 de Setembro de 2012
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Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último
Queridos irmãos e irmãs
No Evangelho deste domingo, Jesus anuncia pela segunda vez aos discípulos a sua paixão, morte e ressurreição (cf. Mc 9, 30-31). O evangelista Marcos põe em evidência o forte contraste entre a sua mentalidade e a dos doze Apóstolos, que não só não compreendem as palavras do Mestre e rejeitam categoricamente a ideia de que Ele vá ao encontro da morte (cf. Mc 8, 32), mas discutem entre si sobre quem deve ser considerado “o maior” (cf. Mc 9, 34). Jesus explica-lhes com paciência a sua lógica, a lógica do amor que se faz serviço até à entrega de si mesmo: “Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos” (Mc 9, 35).
Esta é a lógica do Cristianismo, que corresponde à verdade do homem criado à imagem de Deus, mas ao mesmo tempo contrasta com o seu egoísmo, consequência do pecado original. Cada pessoa humana é atraída pelo amor que afinal é o próprio Deus mas muitas vezes erra nos modos concretos de amar, e assim de uma tendência origenalmente positiva mas maculada pelo pecado, podem derivar intenções e acções más. É o que nos recorda, na liturgia hodierna, também a Carta de São Tiago: “Onde há inveja e espírito faccioso também há perturbação e todo o género de obras más. Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia”. E o Apóstolo conclui: “É com a paz que uma colheita de justiça é semeada pelos obreiros da paz” (3, 16-18).
Estas palavras fazem pensar no testemunho de muitos cristãos que, com humildade e no silêncio, consomem a própria vida ao serviço dos outros, pela causa do Senhor Jesus, trabalhando concretamente como servos do amor e, por isso, “artífices” da paz. Por vezes pede-se a certas pessoas o supremo testemunho do sangue, como há poucos dias aconteceu também com a religiosa italiana Ir. Leonellla Sgorbati, que morreu vítima da violência. Esta religiosa, que desde há muitos anos servia os pobres e os pequeninos na Somália, expirou pronunciando a palavra “perdão”: este é o mais autêntico testemunho cristão, sinal pacífico de contradição que demonstra a vitória do amor sobre o ódio e o mal.
Não há dúvida de que seguir Cristo é difícil, mas como Ele mesmo diz, somente quem perde a sua vida por causa dele e do Evangelho salvá-la-á (cf. Mc 8, 35), dando pleno sentido à sua própria existência. Não existe outro caminho para ser seus discípulos, não há outro caminho para dar testemunho do seu amor e tender para outra perfeição evangélica. Que Maria, hoje por nós invocada como Bem-Aventurada Virgem das Mercês, nos ajude a abrir cada vez mais o nosso coração ao amor de Deus, mistério de alegria e de santidade.
PAPA BENTO XVI
ANGELUS
Castel Gandolfo, 24 de Setembro de 2006
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Meditação do Papa Bento XVI sobre os Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael
Queridos irmãos e irmãs!
Estamos reunidos em volta do altar do Senhor para uma circunstância ao mesmo tempo solene e feliz: a Ordenação episcopal de seis novos Bispos, chamados a desempenhar funções diversas ao serviço da única Igreja de Cristo. Eles são Mons. Mieczyslaw Mokrzycki, Mons. Francesco Brugnaro, Mons. Gianfranco Ravasi, Mons. Tommaso Caputo, Mons. Sergio Pagano, e Mons. Vincenzo Di Mauro. Dirijo a todos a minha cordial saudação com um abraço fraterno. Dirijo uma saudação particular a Mons. Mokrzycki que, juntamente com o actual Cardeal Stanislaw Dziwisz, serviu durante muitos anos como secretário o Santo Padre João Paulo II e depois da minha eleição para Sucessor de Pedro, também foi meu secretário com grande humildade, competência e dedicação. Com ele saúdo o amigo do Papa João Paulo II, o Cardeal Marian Jaworski, ao qual Mons. Mokrzycki dará a sua ajuda como Coadjutor. Saúdo também os Bispos latinos da Ucrânia, que estão aqui em Roma para a sua visita “ad limina Apostolorum”. O meu pensamento dirige-se também aos Bispos greco-católicos, alguns dos quais encontrei na passada segunda-feira, e à Igreja ortodoxa da Ucrânia. Desejo a todos as bênçãos do Céu pelas suas fadigas que visam manter activa na sua Terra e transmitir às futuras gerações a força restabelecedora do Evangelho de Cristo.
Celebramos esta Ordenação episcopal na festa dos três Arcanjos que na Escritura são mencionados pelo nome: Miguel, Gabriel e Rafael. Isto faz-nos recordar que na antiga Igreja já no Apocalipse os Bispos eram classificados como “anjos” da sua Igreja, expressando deste modo uma correspondência íntima entre o ministério do Bispo e a missão do Anjo. A partir da tarefa do Anjo pode-se compreender o serviço do Bispo. Mas o que é um Anjo? A Sagrada Escritura e a tradição da Igreja deixam-nos entrever dois aspectos. Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada, com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra “El”, que significa “Deus”. Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é a existência em vista d’Ele e para Ele. Explica-se precisamente assim também o segundo aspecto que caracteriza os Anjos: eles são mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o céu e assim abrem a terra. Exactamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do homem. De facto, Deus é mais íntimo a cada um de nós de quanto o somos nós próprios. Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles chamam-no a reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros anjos que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus. Se a Igreja antiga chama os Bispos “anjos” da sua Igreja, pretende dizer precisamente o seguinte: “os próprios Bispos devem ser homens de Deus, devem viver orientados para Deus. “Multum orat pro populo” “Reza muito pelo povo”, diz o Breviário da Igreja a propósito dos santos Bispos. O Bispo deve ser um orante, alguém que intercede pelos homens junto de Deus. Quanto mais o fizer, tanto mais compreende também as pessoas que lhe estão confiadas e pode tornar-se para elas um anjo um mensageiro de Deus, que as ajuda a encontrar a sua verdadeira natureza, a si mesmas, e a viver a ideia que Deus tem delas.
Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura sobretudo no Livro de Daniel, na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu e no Apocalipse. Deste Arcanjo tornam-se evidentes nestes textos duas funções. Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a soberba do dragão, da “serpente antiga”, como diz João. É a perene tentativa da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos dele. Mas o dragão não acusa só Deus. O Apocalipse chama-o também “o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante de Deus” (12, 10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece sobre cada indivíduo. É tarefa do Bispo, como homem de Deus, fazer espaço para Deus no mundo contra as negações e defender assim a grandeza do homem. E o que se poderia dizer e pensar de maior sobre o homem a não ser que o próprio Deus se fez homem? A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protector do Povo de Deus (cf. Dn 10, 21; 12, 1). Queridos amigos, sede verdadeiramente “anjos da guarda” das Igrejas que vos serão confiadas! Ajudai o povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria na fé e a aprender o discernimento dos espíritos: a acolher o bem e a recusar o mal, a permanecer e tornar-se sempre mais, em virtude da esperança da fé, pessoas que amam em comunhão com Deus-Amor.
Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo na preciosa narração do anúncio a Maria da encarnação de Deus, como nos refere São Lucas (1, 26-38). Gabriel é o mensageiro da encarnação de Deus. Ele bate à porta de Maria e, através dela, o próprio Deus pede a Maria o seu “sim” para a proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo eterno de Deus, ao Filho de Deus. Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração humano. No Apocalipse diz ao “anjo” da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele” (3, 20). O Senhor está à porta à porta do mundo e à porta de cada um dos corações. Ele bate para que o deixemos entrar: a encarnação de Deus, o seu fazer-se carne deve continuar até ao fim dos tempos. Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo: dizem-nos isto os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses. Cristo bate.
Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe põem à disposição a própria carne, que lhe doam a matéria do mundo e da sua vida, servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do universo. Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens, em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens.
São Rafael é-nos apresentado sobretudo no Livro de Tobias como o Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus discípulos em missão, com a tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a de curar. O bom Samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em si é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor. Do Arcanjo Rafael são referidas no Livro de Tobias duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demónios que, sempre de novo, rasgam e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. Na narração de Tobias esta cura é referida com imagens legendárias.
No Novo Testamento, a ordem do matrimónio, estabelecido na criação e ameaçado de muitas formas pelo pecado, é curado pelo facto de que Cristo o acolhe no seu amor redentor. Ele faz do matrimónio um sacramento: o seu amor, que por nós subiu à cruz, é a força restauradora que, em todas as confusões, dá a capacidade da reconciliação, purifica a atmosfera e cura as feridas. Ao sacerdote é confiada a tarefa de guiar os homens sempre de novo ao encontro da força reconciliadora do amor de Cristo. Deve ser o “anjo” curador que os ajuda a ancorar o seu amor no sacramento e a vivê-lo com empenho sempre renovado a partir dele. Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus. Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas materiais e que somos capazes de fazer com elas, nos tornamos cegos para a luz de Deus. Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor, é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no sacramento da Reconciliação, no sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da palavra, é um sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de facto, o motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser curados, podemos ser remidos.
“Permanecei no meu amor”, diz-nos hoje o Senhor no Evangelho (Jo 15, 9). No momento da Ordenação episcopal Ele di-lo de modo particular a vós, queridos amigos. Permanecei no seu amor! Permanecei naquela amizade com Ele cheia de amor que Ele neste momento vos doa de novo! Então a vossa vida dará fruto um fruto que permanece (Jo 15, 16). Para que isto vos seja concedido, todos rezamos por vós neste momento, queridos irmãos. Amém.
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
POR OCASIÃO DA ORDENAÇÃO EPISCOPAL
A SEIS NOVOS BISPOS NA FESTA DOS ARCANJOS
MIGUEL, GABRIEL E RAFAEL
Sábado, 29 de Setembro de 2007
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Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?
1. Jesus encontra um jovem
«Quando saía [Jesus], para se pôr a caminho – narra o Evangelho de São Marcos – aproximou-se dele um homem a correr e, ajoelhando-se, perguntou: “Bom mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?”. Jesus disse-lhe: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus. Sabes os mandamentos: não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho, não defraudarás, honrarás teu pai e tua mãe”. Ele respondeu-lhe: “Mestre, tenho guardado tudo isto desde a minha juventude”. Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele, e respondeu-lhe: “Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me!”. Mas, ao ouvir tais palavras, anuviou-se-lhe o semblante e retirou-se pesaroso, pois tinha grande fortuna» (Mc 10, 17-22).
Esta narração exprime de maneira eficaz a grande atenção de Jesus pelos jovens, por vós, pelas vossas expectativas, pelas vossas esperanças, e mostra como é grande o seu desejo de vos encontrar pessoalmente e entrar em diálogo com cada um de vós. Com efeito, Cristo interrompe o seu caminho para responder ao pedido do seu interlocutor, manifestando plena disponibilidade àquele jovem, que é impelido por um ardente desejo de falar com o «Bom Mestre», para aprender dele a percorrer o caminho da vida. Com este trecho evangélico, o meu Predecessor queria exortar cada um de vós a «desenvolver o próprio diálogo com Cristo – um diálogo que é de importância fundamental e essencial para um jovem» (Carta aos jovens, n. 2).
2. Jesus fitou-o e sentiu afeição por ele
Na narração evangélica, São Marcos sublinha como «Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10, 21). No olhar do Senhor, está o coração deste encontro muito especial e de toda a experiência cristã. Com efeito, o cristianismo não é primariamente uma moral, mas experiência de Jesus Cristo, que nos ama pessoalmente, jovens ou idosos, pobres ou ricos; ama-nos mesmo quando lhe voltamos as costas.
Comentando a cena, o Papa João Paulo II acrescentava, dirigindo-se a vós, jovens: «Faço votos por que experimenteis um olhar assim! Faço votos por que experimenteis a verdade de que Ele, Cristo, vos fixa com amor» (Carta aos jovens, n. 7). Um amor, que se manifestou na Cruz de maneira tão plena e total, que São Paulo escreve maravilhado: «Amou-me e entregou-se por mim» (Gl 2, 20). «A consciência de que o Pai nos amou desde sempre no seu Filho, de que Cristo ama cada um e sempre – escreve ainda o Papa João Paulo II – torna-se um ponto de apoio firme para toda a nossa existência humana» (Carta aos jovens, n. 7) e permite-nos superar todas as provas: a descoberta dos nossos pecados, o sofrimento, o desânimo.
Neste amor, encontra-se a fonte de toda a vida cristã e a razão fundamental da evangelização: se verdadeiramente encontrámos Jesus, não podemos deixar de o testemunhar àqueles que ainda não se cruzaram com o seu olhar.
3. A descoberta do projecto de vida
No jovem do Evangelho, podemos vislumbrar uma condição muito semelhante à de cada um de vós. Também vós sois ricos de qualidades, energias, sonhos, esperanças: recursos que possuís em abundância! A vossa própria idade constitui uma grande riqueza não apenas para vós, mas também para os outros, para a Igreja e para o mundo.
O jovem rico pergunta a Jesus: «Que devo fazer?» A estação da vida em que vos encontrais é tempo de descoberta: dos dons que Deus vos concedeu e das vossas responsabilidades. É, igualmente, tempo de opções fundamentais para construir o vosso projecto de vida. Por outras palavras, é o momento de vos interrogardes sobre o sentido autêntico da existência, perguntando a vós mesmos: «Estou satisfeito com a minha vida? Ou falta-me ainda qualquer coisa»?
Como o jovem do Evangelho, talvez vós vivais também situações de instabilidade, de perturbação ou de sofrimento, que vos levam a aspirar a uma vida não medíocre e a perguntar-vos: em que consiste uma vida bem sucedida? Que devo fazer? Qual poderia ser o meu projecto de vida? «Que devo fazer a fim de que a minha vida tenha pleno valor e pleno sentido?» (Ibid., n. 3).
Não tenhais medo de enfrentar estas perguntas! Longe de vos acabrunhar, elas exprimem as grandes aspirações, que estão presentes no vosso coração. Portanto, devem ser ouvidas. Esperam respostas não superficiais, mas capazes de satisfazer as vossas autênticas expectativas de vida e felicidade.
Para descobrir o projecto de vida que vos pode tornar plenamente felizes, colocai-vos à escuta de Deus, que tem um desígnio de amor sobre cada um de vós. Com confiança, perguntai-lhe: «Senhor, qual é o teu desígnio de Criador e Pai sobre a minha vida? Qual é a tua vontade? Desejo cumpri-la». Estai certos de que vos responderá. Não tenhais medo da sua resposta! «Deus é maior que os nossos corações e conhece tudo» (1 Jo 3, 20)!
4. Vem e segue-me!
Jesus convida o jovem rico a ir mais além da satisfação das suas aspirações e dos seus projectos pessoais, dizendo-lhe: «Vem e segue-me!». A vocação cristã deriva de uma proposta de amor do Senhor e só pode realizar-se graças a uma resposta de amor: «Jesus convida os seus discípulos ao dom total da sua vida, sem cálculos nem vantagens humanas, com uma confiança sem reservas em Deus. Os santos acolhem este convite exigente e, com docilidade humilde, põe-se a seguir Cristo crucificado e ressuscitado. A sua perfeição na lógica da fé, às vezes humanamente incompreensível, consiste em nunca se colocarem a si mesmos no centro, mas decidirem ir contra a corrente, vivendo segundo o Evangelho» (Bento XVI, «Homilia por ocasião das canonizações», in L’Osservatore Romano, 12-13/X/2009, pág. 6).
A exemplo de muitos discípulos de Cristo, acolhei também vós, queridos amigos, com alegria o convite a seguir Jesus, para viverdes intensa e fecundamente neste mundo. Com efeito, mediante o Baptismo, Ele chama cada um a segui-lo com acções concretas, a amá-lo sobre todas as coisas e a servi-lo nos irmãos. Infelizmente, o jovem rico não acolheu o convite de Jesus e retirou-se pesaroso. Não encontrara coragem para se desapegar dos bens materiais a fim de possuir o bem maior proposto por Jesus.
A tristeza do jovem rico do Evangelho é aquela que nasce no coração de cada um, quando não tem a coragem de seguir Cristo, de fazer a escolha justa. Mas nunca é tarde demais para lhe responder!
Jesus nunca se cansa de estender o seu olhar de amor sobre nós, chamando-nos a ser seus discípulos; a alguns, porém, Ele propõe uma opção mais radical. Neste Ano Sacerdotal, gostaria de exortar os jovens e adolescentes a estarem atentos para ver se o Senhor os convida a um dom maior, no caminho do sacerdócio ministerial, e a tornarem-se disponíveis para acolher com generosidade e entusiasmo este sinal de predilecção especial, empreendendo, com a ajuda de um sacerdote, do director espiritual, o necessário caminho de discernimento. Depois, não tenhais medo, queridos jovens e queridas jovens, se o Senhor vos chamar à vida religiosa, monástica, missionária ou de especial consagração: Ele sabe dar alegria profunda a quem responde com coragem.
E, a quantos sentem a vocação ao matrimónio, convido a acolhê-la com fé, comprometendo-se a lançar bases sólidas para viver um amor grande, fiel e aberto ao dom da vida, que é riqueza e graça para a sociedade e para a Igreja.
5. Orientados para a vida eterna
«Que devo fazer para alcançar a vida eterna?»: esta pergunta do jovem do Evangelho parece distante das preocupações de muitos jovens contemporâneos; porventura, como observava o meu Predecessor, «não somos nós a geração cujo horizonte da existência está completamente preenchido pelo mundo e pelo progresso temporal?» (Carta aos jovens, n. 5). Mas a questão acerca da «vida eterna» impõe-se em momentos particularmente dolorosos da existência, como quando sofremos a perda de uma pessoa querida ou experimentamos o insucesso.
Mas o que é a «vida eterna», de que fala o jovem rico? Jesus no-lo explica quando, dirigindo-se aos seus discípulos, afirma: «Hei-de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22). São palavras que indicam uma proposta sublime de felicidade sem fim: a alegria de sermos cumulados pelo amor divino para sempre.
O interrogar-se sobre o futuro definitivo que nos espera dá sentido pleno à existência, porque orienta o projecto de vida não para horizontes limitados e passageiros mas amplos e profundos, que levam a amar o mundo, tão amado pelo próprio Deus, a dedicar-se ao seu desenvolvimento, mas sempre com a liberdade e a alegria que nascem da fé e da esperança. São horizontes que nos ajudam a não absolutizar as realidades terrenas, sentindo que Deus nos prepara um bem maior, e a repetir com Santo Agostinho: «Desejemos juntos a pátria celeste, suspiremos pela pátria celeste, sintamo-nos peregrinos aqui na terra» (Comentário ao Evangelho de São João, Homilia 35, 9). Com o olhar fixo na vida eterna, o Beato Pier Giorgio Frassati – falecido em 1925, com a idade de 24 anos – dizia: «Quero viver; não ir vivendo!» e, numa fotografia a escalar uma montanha que enviou a um amigo, escrevera: «Rumo ao alto!», aludindo à perfeição cristã mas também à vida eterna.
Queridos jovens, exorto-vos a não esquecer esta perspectiva no vosso projecto de vida: somos chamados à eternidade. Deus criou-nos para estar com Ele, para sempre. Aquela ajudar-vos-á a dar um sentido pleno às vossas decisões e a dar qualidade à vossa existência.
6. Os mandamentos, caminho do amor autêntico
Jesus recorda ao jovem rico os dez mandamentos como condições necessárias para «alcançar a vida eterna». Constituem pontos de referência essenciais para viver no amor, para distinguir claramente o bem do mal e construir um projecto de vida sólido e duradouro. Também a vós, Jesus pergunta se conheceis os mandamentos, preocupando-vos em formar a vossa consciência segundo a lei divina, e se os pondes em prática.
Sem dúvida, trata-se de perguntas contra a corrente em relação à mentalidade contemporânea, que propõe uma liberdade desligada de valores, de regras, de normas objectivas, e convida a não colocar limites aos desejos do momento. Mas este tipo de proposta, em vez de conduzir à verdadeira liberdade, leva o homem a tornar-se escravo de si mesmo, dos seus desejos imediatos, de ídolos como o poder, o dinheiro, o prazer desenfreado e as seduções do mundo, tornando-o incapaz de seguir a sua vocação natural ao amor.
Deus dá-nos os mandamentos, porque nos quer educar para a verdadeira liberdade, porque quer construir connosco um Reino de amor, de justiça e de paz. Ouvi-los e pô-los em prática não significa alienar-se, mas encontrar o caminho da liberdade e do amor autênticos, porque os mandamentos não limitam a felicidade, mas indicam o modo como encontrá-la. No início do diálogo com o jovem rico, Jesus recorda que a lei dada por Deus é boa, porque «Deus é bom».
7. Temos necessidade de vós
Quem vive hoje a condição juvenil encontra-se a enfrentar muitos problemas resultantes do desemprego, da falta de referências ideais certas e de perspectivas concretas para o futuro. Às vezes pode-se ficar com a impressão de impotência diante das crises e derivas actuais. Apesar das dificuldades, não vos deixeis desencorajar nem renuncieis aos vossos sonhos! Pelo contrário, cultivai no coração desejos grandes de fraternidade, de justiça e de paz. O futuro está nas mãos de quem souber procurar e encontrar razões fortes de vida e de esperança. Se quiserdes, o futuro está nas vossas mãos, porque os dons e as riquezas que o Senhor guardou no coração de cada um de vós, plasmados pelo encontro com Cristo, podem dar esperança autêntica ao mundo! É a fé no seu amor que, tornando-vos fortes e generosos, vos dará a coragem de enfrentar com serenidade o caminho da vida e assumir as responsabilidades familiares e profissionais. Comprometei-vos a construir o vosso futuro através de percursos sérios de formação pessoal e de estudo, para servir o bem comum de maneira competente e generosa.
Na recente Carta Encíclica sobre o desenvolvimento humano integral, Caritas in veritate, enumerei alguns dos grandes desafios actuais que são urgentes e essenciais para a vida deste mundo: a utilização dos recursos da terra e o respeito pela ecologia, a justa repartição dos bens e o controle dos mecanismos financeiros, a solidariedade com os países pobres no âmbito da família humana, a luta contra a fome no mundo, a promoção da dignidade do trabalho humano, o serviço à cultura da vida, a construção da paz entre os povos, o diálogo inter-religioso, o bom uso dos meios de comunicação social.
São desafios a que sois chamados a responder para construir um mundo mais justo e fraterno. São desafios que requerem um projecto de vida exigente e apaixonante, no qual investir toda a vossa riqueza, segundo o desígnio que Deus tem para cada um de vós. Não se trata de realizar gestos heróicos ou extraordinários, mas de agir fazendo frutificar os próprios talentos e possibilidades, comprometendo-se a progredir constantemente na fé e no amor.
Neste Ano Sacerdotal, convido-vos a conhecer a vida dos santos, em particular a dos santos sacerdotes. Vereis que Deus os guiou, tendo encontrado o seu caminho dia após dia precisamente na fé, na esperança e no amor. Cristo chama cada um de vós a comprometer-se com Ele e a assumir as próprias responsabilidades para construir a civilização do amor. Se seguirdes a sua Palavra, também o vosso caminho se iluminará e vos conduzirá rumo a metas elevadas, que dão alegria e sentido pleno à vida.
Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, vos acompanhe com a sua protecção. Asseguro-vos uma lembrança particular na minha oração e, com grande afeto, vos abençoo.
PAPA BENTO XVI
PARA A XXV JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
(28 MARÇO 2010)
Vaticano, 22 de Fevereiro de 2010
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SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
Amados irmãos e irmãs
A nossa celebração eucarística inaugurou-se hoje com a exortação “Alegremo-nos todos no Senhor”. A liturgia convida-nos a compartilhar o júbilo celeste dos santos, a saborear a sua alegria. Os santos não são uma exígua casta de eleitos, mas uma multidão inumerável, para a qual a liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Em tal multidão não estão somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os baptizados de todas as épocas e nações, que procuraram cumprir com amor e fidelidade a vontade divina. De uma grande parte deles não conhecemos os rostos e nem sequer os nomes, mas com os olhos da fé vemo-los resplandecer, como astros repletos de glória, no firmamento de Deus.
No dia de hoje, a Igreja festeja a sua dignidade de “mãe dos santos, imagem da cidade divina” (A. Manzoni), e manifesta a sua beleza de esposa imaculada de Cristo, nascente e modelo de toda a santidade. Sem dúvida, não lhe faltam filhos obstinados e até rebeldes, mas é nos santos que ela reconhece os seus traços característicos, e precisamente neles saboreia a sua glória mais profunda.
Na primeira Leitura, o autor do livro do Apocalipse descreve-os como “uma multidão enorme, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9). Este povo compreende os santos do Antigo Testamento, a partir do justo Abel e do fiel Patriarca Abraão, os do Novo Testamento, os numerosos mártires do início do cristianismo e também os beatos e os santos dos séculos seguintes, até às testemunhas de Cristo desta nossa época. Todos eles são irmanados pela vontade de encarnar o Evangelho na sua existência, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus, que é o Espírito Santo.
Mas “para que servem o nosso louvor aos santos, o nosso tributo de glória, esta nossa solenidade?”. Com esta interrogação tem início uma famosa homilia de São Bernardo para o dia de Todos os Santos. É uma pergunta que se poderia fazer também hoje. E actual é inclusive a resposta que o Salmo nos oferece: “Os nossos santos diz não têm necessidade das nossas honras, e nada lhes advém do nosso culto. Por minha vez, devo confessar que, quando penso nos santos, sinto-me arder de grandes desejos” (Disc. 2; Opera Omnia Cisterc. 5, 364ss.). Eis, portanto, o significado da solenidade hodierna: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande desejo de ser como os santos: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz, na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com vigor pelo Concílio Vaticano II, e hoje proposta de novo solenemente à nossa atenção.
Mas como é que podemos tornar-nos santos, amigos de Deus? A esta interrogação pode-se responder antes de tudo de forma negativa: para ser santo não é necessário realizar acções nem obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais. Depois, vem a resposta positiva: é preciso sobretudo ouvir Jesus e depois segui-lo sem desanimar diante das dificuldades. “Se alguém me serve Ele admoesta-nos que me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há-de honrá-lo” (Jo 12, 26). Quem nele confia e o ama com sinceridade, como o grão de trigo sepultado na terra, aceita morrer para si mesmo. Com efeito, Ele sabe que quem procura conservar a sua vida para si mesmo, perdê-la-á, e quem se entrega, se perde a si mesmo, precisamente assim encontra a própria vida (cf. Jo 12, 24-25). A experiência da Igreja demonstra que cada forma de santidade, embora siga diferentes percursos, passa sempre pelo caminho da cruz, pelo caminho da renúncia a si mesmo. As biografias dos santos descrevem homens e mulheres que, dóceis aos desígnios divinos, enfrentaram por vezes provações e sofrimentos indescritíveis, perseguições e o martírio. Perseveraram no seu compromisso, “vêm da grande tribulação lê-se no Apocalipse lavaram as suas túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Os seus nomes estão inscritos no livro da Vida (cf. Ap 20, 12); a sua morada eterna é o Paraíso. O exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o facto de viver longe de Deus.
A santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (cf. Is 6, 3). Na segunda Leitura, o Apóstolo João observa: “Vede que amor tão grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e, realmente, o somos!” (1 Jo 3, 1). Portanto, é Deus que nos amou primeiro e, em Jesus, nos tornou seus filhos adoptivos. Na nossa vida tudo é dom do seu amor: como permanecer indiferente diante de um mistério tão grande? Como deixar de responder ao amor do Pai celestial, com uma vida de filhos reconhecidos? Em Cristo, entregou-se inteiramente a nós e chama-nos a um profundo relacionamento pessoal com Ele. Portanto, quanto mais imitarmos Jesus e permanecermos unidos a Ele, tanto mais entraremos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito, e isto impele-nos, por nossa vez, a amar os irmãos. O amar implica sempre um acto de renúncia a si mesmo, o “perder-se a si próprio”, e é precisamente assim que nos torna felizes.
Assim chegamos ao Evangelho desta festa, ao anúncio das Bem-Aventuranças, que há pouco ouvimos ressoar nesta Basílica. Jesus diz: Bem-aventurados os pobres de espírito, bem-aventurados os aflitos, os mansos, quem tem fome e sede de justiça, os misericordiosos, bem-aventurados os puros de coração, os pacificadores, os que sofrem perseguição por causa da justiça (cf. Mt 5, 3-10). Na realidade, o Bem-Aventurado por excelência é somente Ele, Jesus.
Com efeito, Ele é o verdadeiro pobre de espírito, o aflito, o manso, aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o pacificador; Ele sofre perseguição por causa da justiça. As Bem-Aventuranças revelam-nos a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o seu mistério, o mistério da Morte e da Ressurreição, da Paixão e da alegria da Ressurreição. Este mistério, que é mistério da verdadeira bem-aventurança, convida-nos ao seguimento de Jesus e, deste modo, ao caminho que conduz a ela. Na medida em que aceitamos a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento cada qual nas suas próprias circunstâncias também nós podemos participar das Bem-Aventuranças. Juntamente com Ele, o impossível torna-se possível e até um camelo pode passar pelo fundo de uma agulha (cf. Mc 10, 25); com a sua ajuda, somente com a sua ajuda podemos tornar-nos perfeitos como é perfeito o Pai celeste (cf. Mt 5, 48).
Estimados irmãos e irmãs, agora entramos no coração da Celebração eucarística, estímulo e alimento de santidade. Daqui a pouco tornar-se-á presente de modo mais excelso Cristo, verdadeira Videira à qual, como ramos, estão unidos os fiéis que vivem na terra e os santos do céu. Por conseguinte, mais íntima será a comunhão da Igreja que peregrina no mundo, com a Igreja triunfante na glória. No Prefácio proclamaremos que os santos são nossos amigos e modelos de vida. Invoquemo-los para que nos ajudem a imitá-los e comprometamo-nos a responder com generosidade, segundo o seu exemplo, à vocação divina. Invoquemos especialmente Maria, Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, nos faça ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo!
Amém.
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
DURANTE A CELEBRAÇÃO DA SANTA MISSA
NA SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
Quarta-feira, 1 de Novembro de 2006
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