Fenômeno de público, os Congressos Eucarísticos reavivaram nos brasileiros a consciência de que “o Brasil nascera católico e como tal deveria continuar, não obstante a aberração laicista da primeira República”.
O Brasil é mundialmente conhecido como o país mais católico do mundo. Os cinco milhões de jovens que lotaram a praia de Copacabana, sob as bênçãos do Cristo Redentor e do Papa, durante a Jornada Mundial da Juventude em 2013, reforçaram ainda mais essa ideia.
Mas quem desconhece o passado e se impressiona facilmente com os números, não imagina que, um dia, o país cuja Constituição de 1988 foi promulgada “sob a proteção de Deus” quase se tornou ateu.
A situação da Igreja Católica no Brasil nunca foi tranquila. Apesar de a carta de Pero Vaz de Caminha atestar que o intuito das navegações era a evangelização dos povos, a verdade é que os missionários católicos tiveram de amargar muitas provações para tornar o Evangelho de Cristo conhecido nestas terras.
No período monárquico, o regime de padroado causou muita dor de cabeça para os católicos, sobretudo ao clero e aos religiosos. O rei D. Pedro I atuou de forma regalista contra as ordens religiosas, interferindo em suas constituições e confiscando seus bens, de modo que a Igreja passou por um período de severa estagnação. E pouco mudou durante o regime de D. Pedro II, quando, aliás, estourou a Questão Religiosa, que culminou na famosa prisão do arcebispo de Olinda, Dom Vital.
Essas dificuldades, porém, não impediram que o povo brasileiro entrasse “na história sob o signo da cruz de Cristo, e com o viático de Jesus sacramentado no coração” [1]. A própria Questão Religiosa serviu para despertar alguns católicos da letargia, dada a coragem de Dom Vital contra os abusos da Coroa e da Maçonaria, o que lhe rendeu a alcunha de “Atanásio do Brasil”. Se o imperador apresentava algumas ambiguidades com relação à fé, o povo, porém, era católico na sua essência e “não havia cidade ou vila que se não assinalasse na devoção ao Santíssimo Sacramento” [2]. Foi apenas com a proclamação da República que esse quadro se viu ameaçado.
No dia 7 de janeiro de 1890, o governo provisório deu início à separação entre Igreja e Estado, declarando extinto o padroado e todas as suas instituições. Embora os métodos fossem diferentes, “a República, baseando-se nos princípios positivistas ou comtistas, se mostrou, desde os primeiros dias de sua existência, não menos ofensiva à Igreja do que o fora o Império” [3].
Para acabar com a influência católica na sociedade, os colégios e os cemitérios foram secularizados e o casamento religioso foi substituído pelo casamento civil. Mas a cartada final veio mesmo com a nova Constituição, sancionada em 1891 sem sequer citar o nome de Deus. Estava pavimentado, assim, o caminho para um Brasil sem religião.
Os anos da primeira República foram caracterizados por um forte laicismo. Diante desse novo contexto, os bispos do Brasil logo se organizaram para estabelecer os critérios de reação e promover a restauração católica no país. Com o apoio do Papa, novas dioceses foram criadas e outras congregações religiosas puderam vir para o Brasil, inclusive os jesuítas, os quais haviam sido banidos pela lei pombalina. A hierarquia católica tomava uma nova dimensão. No início da década de 1930, a Igreja já estava organizada o suficiente para empreender o projeto de uma “nova evangelização” e barrar tanto o laicismo quanto as ideias socialistas, que começavam a pipocar por todo lugar.
“O mundo atual oscila entre duas bandeiras: a branca do Vaticano e a vermelha de Moscou. Estamos diante do dilema: a Cruz ou o martelo”, disse o padre Arruda Câmara durante uma das edições do Congresso Eucarístico Nacional, o evento que marcaria a tônica do episcopado brasileiro em defesa da fé católica no Brasil [4]. A primeira edição do evento ocorreu em Salvador, na Bahia, em 1933, com o tema: “Vinde, adoremos o Santíssimo Sacramento”.
Foram com estas palavras que, a 6 de agosto de 1931, o arcebispo primaz Dom Augusto da Silva anunciou o Congresso:
É o país todo, é a nação em peso que se vai prostrar aos pés de Jesus para aclamá-lo Rei, não só de cada um dos corações dos seus filhos, mas ainda do coração da Pátria, do seu povo, de seus homens públicos, de suas instituições civis, de seus governos, de sua Constituição, de suas leis, do presente e o futuro da Nação. [5]
Os Congressos Eucarísticos foram um fenômeno de público e serviram para reavivar nos brasileiros a consciência de que “o Brasil nascera católico e como tal deveria continuar, não obstante a aberração laicista da primeira República” [6]. Para a mentalidade da época, ser brasileiro significava ser cristão e “não se conhecia honra maior que a de poder comungar, nem maior infâmia do que a de ser privado da mesa eucarística” [7].
A vitória sobre o ateísmo marxista e positivista se deu, portanto, por um sentimento de “patriotismo católico”, que fazia questão de ser visível a toda a sociedade. Foi nesta mesma década, aliás, que o então arcebispo do Rio de Janeiro, o Cardeal Sebastião Leme, mandou erigir o Cristo Redentor sobre o monte do Corcovado. A presença de Jesus deveria estar tanto no coração quanto nas praças.
Na 3.ª edição do Congresso, realizada na Arquidiocese de Olinda e Recife, em 1939, as 60 mil pessoas que lotaram o parque Treze de Maio, centro de Recife, cantaram por uma semana o hino composto por Dom Aquino Corrêa, bispo de Cuiabá:
Aos Clarins do Congresso Sagrado
Pernambuco se ergueu varonil
E o Recife se fez lado a lado
Catedral onde reza o BrasilEia sus! Oh leão do norte
Ruge ao mar o teu grito de fé
Creio em ti Hóstia Santa até a morte
Quem não crê brasileiro não é
O maior Congresso Eucarístico realizado até hoje foi o do Rio de Janeiro, em 1955, quando 1 milhão de pessoas se reuniram para honrar o Santíssimo Sacramento, motivo pelo qual o Papa Pio XII dizia bendizer ao Senhor pelo reflorescimento da piedade entre os brasileiros.
A pujança da Igreja Católica no Brasil veio especialmente pela Eucaristia, que, como disse o mesmo Santo Padre, “uniu os ânimos para a vitória” contra “a invasão de armas estrangeiras, ervadas de heresia, [que] ameaçava a unidade e mais ainda a integridade da fé católica” [8].
Ao término desse congresso, o senador Nereu Ramos, então presidente do Senado, consagrou o Brasil ao Sagrado Coração de Jesus em nome de todo o parlamento:
“A consciência e os sentimentos cristãos do povo brasileiro, por suas expressões mais lídimas e afirmativas, vêm desde muito revelando o nobre desejo, o elevado propósito e a inafastável aspiração de entregar os destinos da pátria ao Sagrado Coração de Jesus, no qual, segundo o apóstolo, estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência (…) Entreguemos, pois, numa reafirmação de confiança e de fé ao Sagrado Coração de Jesus, ratificando solenemente a vitoriosa consagração do Excelso Episcopado Nacional, os superiores destinos do Brasil (…) Assim, em meio às tormentas que desabaram sobre a Terra, poderemos dizer sempre como aquele excelso sucessor de São Pedro: ‘O Coração Santíssimo de Jesus é sinal divino de vitória. Nele colocamos todas as nossas esperanças. Dele é que devemos esperar a salvação’.”
O Brasil enfrenta hoje outros desafios e é ele um dos últimos bastiões contra a cultura da morte no mundo. Mas, assim como no passado, também hoje os católicos devem procurar segurança no Santíssimo Sacramento, sabendo que nenhum poder temporal é capaz de suplantar a Igreja, contra a qual Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevalecerão. Esses esforços anticristãos passarão, assim como passaram o Império e outros governos republicanos. Como disse certa feita Dom Vital: “A Igreja nasceu, cresceu e vigorou no meio das perseguições e, por isso, nada há de recear. Mas o Estado? O futuro encarregar-se-á de nos responder” [9].
A história de nossa instabilidade política todos já conhecem… e estão presenciando até os dias de hoje. O que importa mesmo é que, assim como “a cruz permanece de pé enquanto o mundo dá voltas” (stat crux dum volvitur orbis), assim também o Santíssimo Sacramento salvou e continuará a salvar o Brasil.
Fonte: https://padrepauloricardo.org/blog/a-eucaristia-salvou-o-brasil-do-ateismo