Conta-se que certa vez o rei Tâmus perguntou a Teuto qual era a vantagem das suas letras alfabéticas, este último respondeu: “Servem para despertar a memória”. Ao que o rei replicou: “eu opino justamente o contrário, pois os homens, servindo-se desses caracteres, porão tudo no papel e não conservarão nada na memória”. Será que foi assim mesmo? Uma coisa é certa: hoje em dia temos tanta informação e carecemos de formação. Ainda que passemos duas horas na internet, 45 minutos vendo o jornal na TV, outros 10 repassando qualquer jornal escrito, pode ser que sejamos pessoas até bem informadas, mas com todos esses elementos não significa que sejamos homens ou mulheres bem formados.
Para formar-nos cristãmente e para exercitar a nossa memória desde o ponto de vista espiritual a oração é imprescindível. É nela onde os conteúdos da fé penetram cada vez mais nos nossos corações e na qual a fé vai fazendo-se cada vez mais vida no nosso agir cotidiano. Talvez seja por isso que muitos cristãos tenham se esquecido da dimensão evangelizadora da sua vocação, quiçá seja por isso que muitos pregadores não consigam os objetivos desejados, talvez seja por isso que a nossa fé às vezes diminui em lugar de ir em aumento constante… porque não rezamos ou rezamos mal. Há que orar. É na oração onde somos ensinados pelo Espírito Santo.
Falávamos nos domingos anteriores das “estratégias” apostólicas, da importância da formação e do estudo, hoje estamos refletindo mais especificamente sobre a centralidade da escuta a Deus na oração, de sermos formados por Jesus na oração, de sermos dóceis ao Espírito Santo. A nossa formação tende a que nos pareçamos cada dia mais a Cristo. Cada filho de Deus deve ser cristo (um ungido) para os seus semelhantes e apontar sempre rumo à meta: Jesus Cristo, nosso único Senhor e Salvador. É preciso conhecer a Jesus através do estudo, mas também e principalmente através da oração, da vivência com ele. O cristão que se habitua a falar com Deus, a ler as coisas de Deus, a alimentar-se de Deus no sacramento da eucaristia, a viver as virtudes humanas e sobrenaturais, vai sendo “endeusado”, “divinizado”.
S. Gregório Magno afirmou que quando se lê frequentemente as palavras divinas as entendemos cada vez melhor. É lógico: qualquer texto, lido uma segunda ou uma terceira vez, se entende melhor do que quando o havíamos lido pela primeira vez. No entanto, nas palavras de S. Gregório se pode ver mais uma coisa: se trata de ler palavras divinas. O autor estaria pensando na Sagrada Escritura. De fato, o texto citado se encontra numa homilia do grande Papa Gregório ao livro de Ezequiel. A meditação constante da Sagrada Escritura nos vai dando cada vez mais um acesso maior ao coração de Deus. Ademais, a leitura cristã do texto sagrado é feita com a assistência do Espírito Santo. É muito aconselhável começar a leitura da Escritura com alguma oração ao Espírito Santo para que ilumine o nosso entendimento e desperte a nossa vontade. Que o Espírito nos faça ver as coisas de uma maneira sapiencial, ou seja, vendo-nos implicado naquelas coisas que lemos observando as consequências práticas para a nossa vida.
Trata-se, em definitiva, de que sejamos instruídos por Deus nas coisas do seu Reino tanto para que o seu reinado cresça em nós quanto para que ele conte com a nossa ajuda na extensão do mesmo. “Todos serão ensinados por Deus” (Jo 6,45). Essas palavras aparecem na boca de Jesus, que cita o profeta Isaías (54,13). Ser ensinados por Deus significa também descobrir todos os dias um pouco mais das belezas insondáveis do coração de Cristo. Animemo-nos a descobrir a beleza das coisas de Deus. Não são enjoadas, não são repetitivas, não são coisas impossíveis para nós. Desde que o Filho unigênito de Deus se fez homem – algo que parecia impossível! – temos acesso à vida de Deus. É possível! Não há dúvida de que é preciso ter fé e que essa fé aumente cada vez mais. Se a nossa sintonia com Deus for constante saberemos dizer também aos outros como pegar essa rádio na qual se escuta a Deus: oração.
Pe. Françoá Costa