As penas do Purgatório, se por um lado são duras e rigorosas, nem por isso deixam de vir acompanhadas, por outro, das mais doces consolações.
Existem no Purgatório, assim como Inferno, dois tipos de pena: a de dano e a dos sentidos.
A pena de dano consiste em ser privado por um tempo da visão de Deus, que é o bem supremo, o fim beatífico para o qual nossas almas foram criadas, assim como nossos olhos o foram para a luz. Trata-se de uma sede lancinante que atormenta a alma.
A pena dos sentidos, que é um sofrimento sensível, é a mesma que experimentamos em nossa carne. A fé nada nos diz sobre a sua natureza; no entanto, é opinião comum dos doutores que ela consiste em fogo e noutras formas de sofrimento. O fogo do Purgatório, dizem os Santos Padres, é o mesmo do Inferno, do qual fala o rico epulão: Quia crucior in hac flamma, “Eu sofro horrores nestas chamas” (Lc 16, 26).
No que diz respeito à intensidade das dores, infligidas pela infinita justiça de Deus, ela é proporcional à natureza, à gravidade e ao número dos pecados cometidos. Cada um recebe conforme a suas obras, ou seja, cada um deve satisfazer as dívidas pelas quais se vê responsável diante de Deus.
Esses débitos, no entanto, diferem grandemente em qualidade. Alguns os acumularam durante toda uma vida, a ponto de atingirem os dez mil talentos do Evangelho, ou seja, milhões e dezenas de milhões; outros, porém, contraíram pouco a pagar, ou seja, devem aqueles poucos tostões que não foram expiados na terra.
Disto se segue, em primeiro lugar, que as almas são submetidas a diversos tipos de sofrimento; além disso, existem inúmeros graus de expiação no Purgatório, dos quais alguns são incomparavelmente mais severos do que outros. Contudo, falando em termos gerais, os doutores concordam em dizer que as penas que ali se padecem são as mais excruciantes de todas.
O mesmo fogo, diz S. Gregório Magno, que atormenta os condenados, purifica os eleitos (cf. In Ps. 37). “Quase todos os teólogos”, escreve S. Roberto Belarmino, “ensinam que os réprobos e as almas no Purgatório sofrem a ação do mesmo fogo” (De Purgat., II, 6). Deve-se ter como certo, diz o mesmo Belarmino (cf. De Gemitu Columbæ, II, 9), que não há proporção entre os sofrimentos da vida presente e os do Purgatório.
S. Agostinho, por sua vez, afirma exatamente o mesmo em seu comentário ao Salmo 31: “Senhor”, escreve ele, “não me castigueis em vossa ira e não me rejeiteis entre aqueles a quem dissestes: ‘Ide para o fogo eterno’. Não me castigueis em vossa ira; purificai-me, antes, de tal modo nesta vida que eu não precise ser purificado pelo fogo na próxima. Sim, eu temo este fogo, que foi ateado para os que serão salvos, é verdade; mas, ainda assim, continua a ser fogo (cf. 1Cor 3, 15). Eles serão salvos, sem dúvida, depois da provação das chamas, mas essa provação será terrível, o tormento será mais intolerável do que os piores tormentos deste mundo”.
Notai o que diz S. Agostinho, e o que S. Gregório, o Venerável Beda, S. Anselmo e S. Bernardo disseram depois dele. Santo Tomás vai ainda mais longe, chegando a afirmar que a mais leve das penas do Purgatório supera todos os sofrimentos desta vida, sejam eles quais forem. A dor, diz o beato Peter Lefèvre, é mais profunda e mais aguda quando ataca diretamente a alma e a mente do que quando as atinge mediante o corpo. O corpo mortal, assim como os próprios sentidos, absorvem e atenuam uma parte da dor física, e até mesmo da dor moral (Sentim. du B. Lefèvre sur la Purg. Mess. du S. Coeur, nov. 1873).
O autor da Imitação de Cristo, por sua vez, explica essa doutrina com uma sentença prática e impressionante. Falando de maneira geral dos sofrimentos da outra vida, ele diz que “lá uma hora de tormentos será mais terrível do que uma centena de anos de rigorosa penitência passada aqui” (Imit., I, 24).
A fim de comprovar essa doutrina, pensemos que todas as almas no Purgatório sofrem a pena de dano e que essa pena supera o mais intenso sofrimento possível neste mundo. Voltando-nos agora para a pena dos sentidos, sabemos que coisa terrível é o fogo, ainda que seja uma frágil chama acendida em nossas casas, e que dor se sente na mais leve queimadura. O quão mais terrível não deve ser, pois,aquele fogo inextinguível, que não se alimenta nem de madeira nem de óleo!Acendido pelo sopro de Deus, como instrumento de sua justiça, ele se apodera das almas, atormentando-as com incomparável fúria.
Tudo o que dissemos — e que ainda havemos de dizer — já basta para inspirar-nos aquele temor sadio que Jesus Cristo nos recomenda. Mas antes que alguns leitores, esquecidos da confiança cristã que deve moderar nossos medos, se entreguem a um temor excessivo, permitam-nos aprofundar a doutrina que acabamos de expor ouvindo o que diz outro doutor da Igreja, S. Francisco de Sales, cuja pena retrata os sofrimentos do Purgatório aliviados pelas consolações que os acompanham.
“Nós devemos”, diz o santo e amável diretor de almas, “colher da meditação do Purgatório mais consolação do que apreensão. A maior parte daqueles que temem o Purgatório pensam mais em seus próprios interesses do que nos interesses da glória de Deus. Ora, isso se deve ao fato de que pensam apenas nos sofrimentos, sem levarem em conta a paz e a alegria de que gozam as santas almas que ali habitam. É verdade que os tormentos são tão grandes que os sofrimentos mais agudos desta vida não se lhes comparam; mas a satisfação interior que lá se experimenta é tal, que nenhuma prosperidade ou contentamento desta terra se lhe pode igualar.
As almas vivem ali numa contínua união com Deus, perfeitamente conformadas com a vontade divina. Só querem o que Deus quer e, se lhes fosse aberto o Paraíso, prefeririam precipitar-se no Inferno a apresentar-se manchadas diante de Deus. Purificam-se voluntária e amorosamente, porque assim Deus o quer. Desejam permanecer no estado que mais aprouver a Deus, e isto por todo o tempo que for da vontade dele.
São invencíveis na prova e não podem ter um movimento sequer de impaciência nem cometer qualquer imperfeição. Amam mais a Deus do que a si próprias, com um amor simples, puro e desinteressado. Os anjos as consolam e estão certas de sua salvação, com uma esperança inigualável. Suas amarguras são mitigadas por uma paz profunda. Se é infernal a dor que sofrem, a caridade derrama-lhes no coração uma inefável ternura. É uma caridade mais forte do que a morte e mais poderosa do que o Inferno. O Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, porque as chamas que lá ardem são chamas de amor” (Esprit de St. François de Sales, IX, p. 16).
Tais são os ensinamentos dos doutores. Do quanto vimos se segue que, se as penas do Purgatório são rigorosas, não são, contudo, carentes de toda consolação. Quando nos impõe a cruz nesta vida, Deus derrama sobre ela a unção de sua graça. Assim também, ao purificar as almas no Purgatório como ouro na fornalha, Ele ameniza o ardor de suas chamas com consolações indescritíveis. Não devemos, pois, perder de vista esse elemento consolador, esse lado bom e positivo da imagem, pintada às vezes em cores tão sombrias, que iremos analisar nos próximos capítulos.