Hoje a humanidade se divide em três grupos que se digladiam: os criacionistas, os evolucionistas e um terceiro, que foge da radicalidade dos outros dois.
O terceiro grupo, mais equilibrado, é constituído pelos que aceitam a evolução, porém como parte do processo da criação de Deus. (Reprodução/ Pixabay)
Por Evaldo D’ Assumpção*
A humanidade viveu, em sua aparentemente longa, mas na realidade muito breve história, diversos conflitos ligados à ética religiosa. Da ética teocêntrica, que predominou na idade média, passou à ética antropocêntrica, surgida no século XVI e chegando ao seu ápice no século XVIII, com o pensamento iluminista de Rousseau, Kant e outros. No pensamento teocêntrico, Deus era tudo e tudo fez. Os textos bíblicos eram lidos textualmente e ali estava a verdade, sem qualquer tentativa de entendê-los como uma mensagem escrita por um povo específico, habituado a fábulas e metáforas, num tempo e numa região específicos. Por isso mesmo ocorreram conflitos com a ciência, que muitas vezes caminhava muito além do seu próprio tempo. Obviamente nem todos estavam certos, nem a condição de pensadores e cientistas lhes davam status de infalibilidade. Com o crescimento da influência desses intelectuais, o pensamento ético foi-se voltando para o Humano desvinculado de um Criador. Deus foi colocado de lado, e ao Humano, só ele mesmo se bastava. Agregar um e outro, numa síntese não preconceituosa, era inadmissível para os com e os sem Deus. Darwin forneceu o combustível desejado pelos últimos: o Humano era descendente do macaco, a criação era um mito. O incêndio propagou-se.
Em 1923 surge em Los Angeles, EUA, a Igreja Quadrangular, a primeira a se denominar evangélica – o que é um erro, pois todas as religiões ditas cristãs são necessariamente seguidoras dos Evangelhos – multiplicando-se no Brasil, com as mais diferentes denominações. Seus seguidores retomaram as narrativas bíblicas de forma literal, bem ao pé da letra, e com total desprezo para as descobertas da ciência.
Hoje a humanidade se divide em três grupos que se digladiam: os criacionistas, que seguem linearmente o texto bíblico; os evolucionistas, que se radicalizam na desnecessidade de um Criador para justificar a existência dos Humanos; e um terceiro, que foge da radicalidade, certo de que a virtude, como sempre, está no meio.
Os seguidores do Criacionismo partem do princípio que as descrições Bíblicas, por serem inspiradas por Deus, são a absoluta verdade, não cabendo qualquer questionamento sobre elas. Todavia podemos afirmar que a Bíblia é um livro divinamente inspirado, mas também plenamente humano. E, mais ainda, não sendo um livro escrito hoje, conforme a pedagogia atual, tampouco por pessoas da cultura ocidental, traz profundos traços da cultura e especialmente dos hábitos dos povos que redigiram seus textos.
O Livro do Gênesis, o primeiro da Bíblia, reflete a vida no Oriente Médio entre os anos 2.000 e 1.500 a.C. Sem qualquer preocupação científica ou histórica, o autor ensina as verdades básicas da fé israelita dando, conforme o estilo e os hábitos da época, respostas aos grandes enigmas da humanidade, especialmente à origem do cosmo. Portanto, não há como interpretar suas descrições como verdades científicas indiscutíveis. Num formato próprio da época, nele estão metáforas para tornar assuntos árduos mais compreensíveis para um povo que, quase todo ele, era analfabeto e sem cultura. O próprio Jesus utilizaria, mais tarde, parábolas e metáforas para transmitir seus ensinamentos.
Os Evolucionistas negam a interferência (e até a existência) de Deus, afirmando que somos descendentes do macaco. Adotam radicalmente as teorias de Darwin, que julgam suficientes para explicar o surgimento e toda a evolução dos habitantes do nosso planeta.
O terceiro grupo, mais equilibrado, é constituído pelos que aceitam a evolução, porém como parte do processo da criação de Deus. Nesse grupo eu me incluo, aceitando e afirmando que tudo foi criado por Ele, porém cada um trazendo em si um potencial evolutivo que faz todo ser vivo passar por um processo que podemos chamar de aprimoramento. Num determinado estágio da evolução os hominídeos, resultado da evolução dos primeiros antropoides, receberam do Criador o seu componente espiritual, exclusivo da condição humana. Separou-se assim, das espécies não animadas, a humanidade, que é a única com natureza espiritual.
Apesar das controvérsias, não se pode negar que inúmeras e bem sedimentadas descobertas da arqueologia e da antropologia, cada vez mais confirmam a teoria em que esse terceiro grupo acredita. Contudo, tais descobertas não afirmam nem negam a ação divina, pois esta é totalmente impossível de ser, cientificamente, comprovada ou negada.
Associando-se a teologia, a antropologia, a fé (mas não a crendice!) e a arqueologia, podemos tomar posições que não nos igualam aos que ignoram as descobertas científicas, tampouco aos que por ela se apaixonam irrestritamente, negando nosso componente transcendental. Desde o nosso surgimento na face da Terra, há cerca de 300.000 anos, pode-se afirmar que 80 bilhões de Humanos já se sucederam em nosso planeta, passando por sucessivas modificações de forma. Os achados arqueológicos comprovam isso.
Podemos então afirmar que somos frutos de uma evolução totalmente criada e cuidadosamente conduzida por Deus. E que Ele não nos dividiu em “raças”, pois só existe uma, a humana. Portanto, preconceitos raciais são frutos exclusivos da vaidade humana.
A evolução não se contrapõe a verdade bíblica, apenas exclui a sua leitura “ao pé da letra”, como só os fundamentalistas o fazem.
*Evaldo D’ Assumpção é médico e escritor
Fonte: domtotal.com