Mt 5,17-37
Caros irmãos e irmãs!
O evangelho deste domingo sublinha que o “pleno cumprimento” da lei consiste principalmente na obediência às regras estabelecidas. Obedecer corretamente a uma lei é procurar descobrir e praticar a intenção do legislador, o que ele tinha em mente ao promulgá-la. É o que chamamos espírito da lei. Isso vai muito além da obediência literal, que só vê o que a lei diz em si, sem considerar o seu sentido mais profundo.
No caso da Sagrada Escritura, as leis do Antigo e do Novo Testamento vieram do mesmo autor, que é Deus. Suas palavras são as de um Pai que só quer o bem dos filhos. Também nós devemos receber essas leis com amor de filhos. São Paulo já ressalta: “Não és mais escravo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro; tudo isso, por graça de Deus” (Ef 4,7). Fazemos parte da família de Deus, é assim que devemos ver as leis que Ele nos deixou.
Deus implantou na alma humana uma luz intelectual pela qual o homem conhece que o bem deve ser praticado e o mal, evitado. Na primeira parte do Evangelho deste domingo (v. 17-19), o evangelista São Mateus sustenta que Cristo não veio abolir essa Lei que Deus ofereceu ao seu Povo no Sinai (cf. Ex 20,1-21). A Lei de Deus conserva toda a validade e é eterna; no entanto, é preciso ser vista como a expressão concreta de uma adesão total a Deus. Os fariseus achavam que a salvação passava pelo cumprimento de certas normas concretas. Eram eles rigorosos na observância da letra da Lei, mas não eram capazes de penetrar no âmago de seu espírito, onde está a verdade, a justiça, o amor.
Para iluminar esta verdade, Jesus dá alguns exemplos práticos que a Liturgia da Palavra deste domingo nos oferece. A Lei de Moisés prescreve o não matar (cf. Ex 20,13; Dt 5,17); mas, na perspectiva de Jesus, o não matar implica o evitar causar qualquer tipo de dano ao outro. Há muitas formas de destruir o irmão, de o eliminar, de lhe roubar a vida: as palavras que ofendem, as calúnias que destroem, os gestos de desprezo que excluem, os confrontos que põem fim à relação. Os discípulos de Jesus não se limitam a cumprir a letra da Lei; eles têm que assumir uma nova atitude, mais abrangente, que os levem a um respeito absoluto pela vida e pela dignidade do outro.
Não basta não matar, é preciso não se encolerizar contra o outro, não lhe dirigir palavras injuriosas. Se uma arma pode matar o corpo, uma palavra dura pode matar o coração, por isto Jesus deixa para os cristãos uma norma a ser observada. A este propósito, São Mateus aproveita para apresentar à sua comunidade uma catequese sobre a urgência da reconciliação, a inimizade pode ser uma forma de matar o outro, por isto, a reconciliação com o irmão deve sobrepor-se ao próprio culto, pois é uma mentira a relação com Deus de alguém que não ama os irmãos (cf. Mt 5,24).
A vida humana é sagrada, por isto deve ser respeitada, pois desde a sua origem, postula a ação criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é o Senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte diretamente a um ser humano inocente (cf. CIgC n. 2258).
A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel pelo seu irmão Caim (cf. Gn 4,8-12), revela, desde os primórdios da história humana, a presença da cólera e da inveja no coração do homem, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu semelhante. No evangelho deste domingo é lembrado este preceito da lei de Deus: “Não matarás” (Mt 5, 21) e acrescenta a proibição da ira, do ódio e da vingança. Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face (Mt 5, 22-26.38-39) e que ame os seus inimigos (Cf. Mt 5, 44).
No evangelho temos ainda uma referência ao adultério: “Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração” (v. 27-28). E podemos ainda ler: “Não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19,6). Adultério é o termo que designa a infidelidade conjugal. Aquele que o comete, falta aos seus compromissos. Viola o sinal da aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimônio, ferindo o contrato em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm necessidade da união estável dos pais (cf. CIgC, n. 2381).
A Lei de Moisés exige o não cometer adultério (cf. Ex 20,14; Dt 5,18); mas, na perspectiva de Jesus, é preciso ir mais além do que a letra da Lei e atacar a raiz do problema, por isto disse o Senhor que olhar com desejos libidinosos para uma mulher já é cometer adultério no coração. E, mais ainda: se na Lei antiga tinha entrado o divórcio, a lei do Evangelho não admite o divórcio. Quem repudiar sua mulher com a qual estiver legitimamente casado, faz com que ela adultere; e quem se casar com a repudiada comete adultério (v. 31-32). Jesus veio restaurar a criação na pureza das suas origens.
A Lei de Moisés permite ao homem repudiar a sua mulher (cf. Dt 24,1); mas, na perspectiva de Jesus, a Lei precisa ser corrigida: o divórcio não estava no plano original de Deus, quando criou o homem e a mulher e os chamou a amarem-se e a partilharem a vida (cf. Gn 2,18-24). Amar quer dizer não só desejar, mas respeitar, merecer e aprender o mútuo respeito, tendo sempre diante dos olhos o vínculo que no matrimônio une dois seres humanos. Amar é ter a consciência de que tal união é indissolúvel, dura, por instituição divina até a morte.
No dia do casamento, ambos disseram um para o outro: “Recebo-te por minha esposa… recebo-te por meu esposo e te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”. Este é o vínculo matrimonial que surge do amor recíproco, se exprime mediante o juramento conjugal. Cada união nasce através do pacto entre um casal, mas tendo como base a unidade e a indissolubilidade, ordenado à procriação e à educação da prole (cf. cân. 1055), sinal da estabilidade da família, que sempre deve ser respeitada.
A primeira comunhão que se instaura e se desenvolve entre os cônjuges, em virtude do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher “já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19,6), e são chamados a crescer continuamente nesta comunhão através da fidelidade quotidiana à promessa matrimonial do recíproco dom total (cf. FC, 19).
Em Caná da Galiléia, ao lado dos esposos recém-casados estava a Virgem Maria, a mãe do Senhor. Ela disse aos servos: “Fazei tudo que Ele vos disser” (Jo 2,5). Que junto a todos os cônjuges, desde o início do matrimônio, possa estar ela a mostrar o caminho a seguir e, com sua presença materna, possa interceder sempre por cada casal, para que o ambiente familiar seja sempre o lugar da alegria e da paz. Que ela guie também os nossos passos na fidelidade à Lei que Cristo deixou para nós, para posamos ser conduzidos, com o coração dilatado, à vida plena. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ