Como se sabe, o Papa Bento XVI é um excelente pregador. Comentou-se inclusive que o número de pessoas aumentou nas audiências depois que Bento XVI tem falado e que já foi até chamado “o Papa das homilias”. Não me surpreende, já que estamos a falar de uma excelente cabeça teológica e de uma pessoa muito carinhosa que se preocupa verdadeiramente com todos os seus filhos e filhas, o coração do Papa é como um coração de mãe boa e generosa: acolhe a todos para a todos colocar no Coração de Deus.
Pois bem, a homilia que o Papa fez no ano passado na solenidade da Assunção de Nossa Senhora foi maravilhosa. A sua preocupação por colocar os mistérios santos em conexão com a nossa vida, mostra-se por essas palavras: “Ao contemplarmos a Virgem Maria, recebemos mais uma graça: a de poder ver em profundidade também a nossa vida. Sim, porque inclusive a nossa existência quotidiana, com os seus problemas e as suas esperanças, recebe luz da Mãe de Deus, do seu percurso espiritual, do seu destino de glória: um caminho e uma meta que podem e devem tornar-se, de certo modo, o nosso próprio caminho e a nossa própria meta”. A meta da Mãe de Deus é também a nossa: o céu.
Após dizer isso, o Papa meditava, conduzido pelas Sagradas Escrituras, sobre a Arca da Aliança, concluindo que, no Novo Testamento, só pode ser Maria. Efetivamente, a tradição cristã assim a invoca, na Ladainha de Nossa Senhora, como foederis arca, isto é, arca da aliança. São palavras de Bento XVI: “Na primeira leitura, ouvimos: «Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a arca da sua aliança» (Ap 11, 19). Qual é o significado da arca? O que aparece? Para o Antigo Testamento, ela é o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo. Mas o símbolo já cedeu o lugar à realidade. Assim, o Novo Testamento diz-nos que a verdadeira arca da aliança é uma pessoa viva e concreta: é a Virgem Maria. Deus não habita num móvel, mas sim numa pessoa, num coração: Maria, Aquela que trouxe no seu ventre o Filho eterno de Deus que se fez homem, Jesus, nosso Senhor e Salvador. Na arca — como sabemos — estavam conservadas as duas tábuas da lei de Moisés, que manifestavam a vontade de Deus, de conservar a aliança com o seu povo, indicando as suas condições para ser fiel ao pacto de Deus, para se conformar com a vontade de Deus e assim também com a nossa profunda verdade. Maria é a arca da aliança, porque acolheu em si mesma Jesus; recebeu em si a Palavra viva, todo o conteúdo da vontade de Deus, da verdade de Deus; acolheu em si Aquele que constitui a nova e eterna aliança, culminada com a oferenda do seu corpo e do seu sangue: corpo e sangue recebidos de Maria”.
A seguir, o Papa citava umas palavras de São João Damasceno, ao referir-se à Assunção: “«Hoje, a santa e única Virgem é conduzida para o templo celeste… Hoje, a arca sagrada e animada do Deus Vivo, [a arca] que trouxe no seu seio o próprio Artífice, descansa no templo do Senhor, não construído por mãos humanas» (Homilia II sobre a Dormição, 2, PG 96, 723)”.
Ainda nessa mesma linha, o Papa, ao refletir no Evangelho dessa solenidade, que é o da Visitação (Lc 1,39-56), comentava que foi o Espírito Santo que abrira os olhos de Isabel e a levara “a reconhecer em Maria a verdadeira arca da aliança, a Mãe de Deus, que vem para a visitar. E assim, a idosa parente recebe-a, dizendo «em voz alta»: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?» (Lc 1, 42-43). E é o próprio Espírito Santo que, diante daquela que traz em si Deus que se fez homem, abre o coração de João Baptista no seio de Isabel. Isabel exclama: « Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio» (v. 44). Aqui, o evangelista Lucas recorre ao termo «skirtan», ou seja, «saltitar», o mesmo vocábulo que encontramos numa das antigas traduções gregas do Antigo Testamento para descrever a dança do rei David diante da arca sagrada, que finalmente voltou para a pátria (cf. 2 Sm 6, 16). João Batista, no ventre da mãe, dança diante da arca da Aliança, como David; e reconhece deste modo: Maria é a nova arca da aliança, perante a qual o coração exulta de alegria, a Mãe de Deus presente no mundo, que não conserva para si esta presença divina, mas oferece-a compartilhando a graça de Deus. E assim — como recita a oração — Maria realmente é «causa nostrae laetitiae», a «arca» em que realmente o Salvador está presente entre nós”.
Como reafirmava o Papa, Maria é causa de nossa alegria! Pois foi através dela que nos veio a alegria, Jesus Cristo, e é nela que nós vemos o que seremos: gloriosos com aquela glória que tomará conta do nosso corpo e da nossa alma no dia eterno… no céu, no qual ela, gloriosamente, em corpo e alma, já nos precedeu.
Pe. Françoá Costa