Como entender essa frase dita por Nosso Senhor Jesus Cristo durante o seu testamento na Última Ceia?
Os católicos ouviram Jesus dizer, no Evangelho da Missa de ontem, a seguinte frase: “Vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu” (Jo 14, 28).
Um de nossos internautas nos pergunta como coadunar essa afirmação de Nosso Senhor com o Símbolo de Niceia, em que confessamos “um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai” [1]. Afinal, Jesus não é Deus? Por que diz, então, que o Pai é maior do que Ele?
Esta pergunta pode parecer pouco relevante para os homens de nosso século, mas não o era para Santo Atanásio de Alexandria, cuja memória a Igreja celebra no dia de hoje. Esse santo promoveu com tal valentia a verdade sobre a Pessoa de Cristo, que mereceu ser honrado pelos cristãos de todos os tempos e lugares como Doctor Incarnationis (“Doutor da Encarnação”). Para defender Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, contra os hereges arianos, Atanásio resistiu ao “mundo inteiro” de sua época, enfrentando por causa de sua fé católica o exílio e a perseguição.
Para responder a dúvida de nosso internauta, vamos recorrer à brilhante explicação de Santo Tomás de Aquino:
“A partir desta passagem Ário insultou a fé dizendo ser o Pai maior do que o Filho, erro que é refutado, todavia, pelas próprias palavras do Senhor. A afirmação ‘o Pai é maior do que eu’ só pode ser entendida, de fato, a partir do que Ele disse antes: ‘vou para o Pai’ . Ora, o Filho não vai ao Pai nem vem a nós enquanto Filho de Deus, porque, como tal, sempre existiu com o Pai desde toda a eternidade: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus’ (Jo 1, 1). Assim, Ele só pode dizer que vai para o Pai segundo a Sua natureza humana. Quando Ele declara, portanto, ‘o Pai é maior do que eu’, não o diz enquanto Filho de Deus, mas enquanto filho do homem, segundo o qual não só é menor que o Pai e o Espírito Santo, mas que os próprios anjos: ‘Jesus, a quem Deus tornou pouco inferior aos anjos, nós o vemos coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte’ (Hb 2, 9). Do mesmo modo Ele estava sujeito também aos homens, sabidamente aos Seus pais, como se lê em Lc 2, 51. Assim, portanto, Ele é menor que o Pai segundo a humanidade, mas igual a Ele segundo a divindade: ‘Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo’ (Fl2, 6-7).”
“É possível dizer ainda, com Santo Hilário, que também segundo a divindade o Pai é maior que o Filho, ainda que o Filho lhe seja igual, não menor [2]. Porque o Pai é maior do que o Filho não em potestade, eternidade ou magnitude, mas em autoridade de doador ou de princípio. Porque o Pai nada recebeu de outro, mas o Filho, como se disse, recebeu do Pai a natureza por uma geração eterna. O Pai é maior, portanto, porque dá; e o Filho não é menor, mas igual, porque tudo o que o Pai possui, Ele também o recebeu: ‘Deu-lhe o nome que está acima de todo nome’ (Fl 2, 9).” [3]
As colocações do Doutor Angélico são bem claras, mas, se você ainda ficou um pouco confuso, não deixe de conferir o nosso curso “Por que não sou protestante”, durante o qual Padre Paulo desenvolve algumas importantes noções de Cristologia, que certamente esclarecerão as suas dúvidas.
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Por fim, cabe fazer um último adendo, a respeito da interpretação correta das Escrituras, de acordo com o Magistério da Igreja. É o próprio São Pedro quem afirma que existem “algumas coisas difíceis” na Bíblia, trechos que são deformados por “homens sem instrução e vacilantes”, “para a sua própria perdição” (2 Pd 3, 16). Nos primeiros tempos da Igreja, Ário usou o versículo acima, do Evangelho de São João, para dizer que Jesus não passava de uma “criatura do Pai”, que Ele não era Deus. Hoje, muitos de nós corremos risco semelhante: o de interpretar as Escrituras para confirmar os nossos próprios gostos ou opiniões.
Para não corrermos esse risco, basta que nos mantenhamos fiéis ao que a Igreja sempre ensinou pela boca de seus santos e doutores. Quando ficarmos em dúvida a respeito de algum trecho da Bíblia, não caiamos na presunção de interpretar aquela passagem por nós mesmos, como se os livros sagrados fossem “de interpretação pessoal” (2 Pd 1, 20). Sejamos humildes e procuremos a autoridade da Igreja, de um Santo Agostinho, de um São Jerônimo, de um Santo Tomás de Aquino… Na doutrina desses homens sábios temos um terreno sólido em que construir a casa da nossa fé.
Que Santo Atanásio nos ajude a conservar o Credo Apostólico íntegro e puro, tal como ele mesmo o guardou.