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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc 1, 40-45)
O Evangelho deste Domingo conclui o primeiro capítulo da narrativa de São Marcos. Depois de expulsar um demônio e curar a sogra de São Pedro, Nosso Senhor cura um homem de lepra.
São Beda, o Venerável, comentando essa sequência apresentada pelo Evangelista, escreve que,
“Depois de calada a língua da serpente dos demônios e curada a mulher, que foi seduzida primeiro, em terceiro lugar, foi curado da lepra de seu erro o homem, que escutou os maus conselhos da mulher, a fim de que a ordem de restauração no Senhor fosse como a ordem da queda em nossos primeiros pais” [1].
Este comentário de Beda – alegórico, mas de importante valor espiritual – indica o que Cristo veio fazer em relação a nós, e que Zacarias canta no Benedictus: “salvar-nos do poder dos inimigos” [2]. E, assim como a sogra de Pedro, depois de ser curada, começou a servir ao Senhor e aos Apóstolos, Cristo nos liberta para que “a ele nós sirvamos sem temor em santidade e em justiça diante dele, enquanto perdurarem nossos dias” [3].
É verdade que o leproso do Evangelho tinha muitas razões para não aproximar-se do Senhor. Diante da primeira leitura deste Domingo, tirada do livro do Levítico, segundo a qual “se o homem estiver leproso é impuro” e, “sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento”, a sua atitude de chegar perto de Jesus chega a ser escandalosa. Mas, quando ele diz a Cristo: “Se queres, tens o poder de curar-me (em grego, καθαρίσαι, que significa, literalmente, purificar)”, e Nosso Senhor realmente o livra de sua lepra, acontece uma maravilha: ao invés de Ele ser contaminado pela impureza do leproso, é o leproso quem é purificado por Sua santidade.
Por isso, a narrativa deste Domingo incita-nos à confiança em Deus. Nós também, com nossas misérias e pecados, talvez tenhamos milhares de razões para não nos aproximarmos de Cristo; para dizermos, com São Pedro: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador!” [4]. A cura do leproso, todavia, mostra que em Cristo há um poder e uma graça capazes de libertar-nos de nossa sujeira. Também na Última Ceia, quando Se reclina para limpar os pés de Seus discípulos, Nosso Senhor já indica o que vai fazer na Cruz: lavar o que temos de mais sujo, que é a nossa alma.
Às portas da Quaresma, tempo propício para a penitência, importa refletir com que espírito os fiéis devem escolher as mortificações que farão neste período. Muitas pessoas acham que as penitências quaresmais são uma coisa mágica, como se bastasse fazer alguns atos de jejum e outros de abstinência para viver uma boa Quaresma. Mas, não adianta simplesmente fazer jejum. Se fome fosse sinal de santidade, a África seria o continente mais santo do mundo. Não é o simples passar fome o que nos purifica, mas o amor. E é isto o que está por trás da virtude da penitência.
Quem olha para o mundo animal nota que os animais podem ser contrariados – quando sua fome, sua sede ou seus instintos não podem ser satisfeitos. Eles não podem, porém, contrariar-se. Só o ser humano é capaz de fazê-lo e é por isso que ele pode amar. O amor é a capacidade de contrariar as próprias vontades e caprichos para amar o outro – no caso, Deus. Nesta Quaresma, urge que façamos penitência com espírito de compunção, isto é, tomando consciência da tremenda ingratidão a Deus que está em todo pecado. A Deus, que tanto nos amou, até a morte de Cruz.
A penitência, pois, está relacionada ao amor. Não se trata de um complexo de culpa. Este nasce do orgulho. A pessoa começa a se perguntar: Nossa, como “eu”, o maravilhoso “eu”, foi capaz de fazer isso? Ela está mais preocupada com a sua imagem, que foi ferida, que com o coração de Deus, ferido pela sua ingratidão. A verdadeira penitência, ao contrário, é aquela que nasce do arrependimento. No Missal Romano, existe uma oração – antigamente chamada pro petitione lacrymarum– que pede a Deus a compunção do coração (compuntionem cordis): “Omnípotens et mitíssime Deus, qui sitienti pópulo fontem viventis aquæ de petra produxísti: educ de cordis nostri durítia lácrimas compunctiónis; ut peccata nostra plángere valeámus, remissionémque eorum, te miseránte, mereámur accípere.” [5]
Nesta bela súplica, a pedra do deserto, da qual Deus tirou uma fonte de água viva para o povo de Israel, é comparada à dureza do nosso coração, da qual devem sair, agora, lágrimas de compunção. Estas, então, alcançam de Deus a remissão dos nossos pecados.
É claro que Jesus perdoa os nossos pecados gratuitamente. Mesmo assim, existe uma ligação entre os nossos atos de contrição e o perdão do Senhor. Quando, por exemplo, aquela mulher pecadora lava os pés de Cristo com suas lágrimas, Ele diz: “Os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, pois ela mostrou muito amor” [6]. Na verdade, para esta mulher, Jesus não era um desconhecido. Ela certamente já havia entrado em contato com Ele, já tinha recebido o Seu perdão. Quem sabe não foi ela a mesma mulher pêga em adultério, a qual os escribas e fariseus queriam apedrejar [7]? Quando percebe, então, o grande amor de Jesus para consigo, ela corresponde com amor.
Eis, pois, o espírito da Quaresma. Em gratidão a Deus, respondamos com amor ao grande amor com que fomos amados.
Referências
- Cf. Sanctus Thomas Aquinas, Catena Aurea in Marcum
- Lc 1, 71
- Lc 1, 74-75
- Lc 5, 8
- Missale Romanum, Missae et orationes pro variis necessitatibus vel ad diversa, 38, Pro remissione peccatorum, B, Aliae orationes, Collecta. “Deus todo-poderoso e misericordiosíssimo, que ao povo sequioso fizestes surgir da pedra uma fonte de água viva, tirai da dureza de nossos corações lágrimas de compunção, para que possamos chorar os nossos pecados e mereçamos receber, suplicantes, a sua remissão.” (tradução nossa)
- Lc 7, 47
- Cf. Jo 8, 1-11
Fonte: https://padrepauloricardo.org/episodios/a-penitencia-por-amor-a-deus