Lc 24,13-35
Meus caros irmãos e irmãs,
Neste terceiro domingo do tempo pascal o texto evangélico nos apresenta uma narrativa da aparição de Cristo ressuscitado a dois discípulos que caminhavam de Jerusalém para Emaús. Ao longo do texto o evangelista São Lucas coloca nos lábios de um dos peregrinos: “Nós esperávamos…” (v. 21). Este verbo no passado mostra a perda da esperança dos caminhantes… nós tínhamos acreditado… tínhamos seguido… tínhamos esperado… mas, tudo chegou ao fim. Também Jesus de Nazaré, que havia se mostrado como profeta poderoso em obras e em palavras, fracassou, e ficamos desiludidos (v. 21ss).
Este drama dos discípulos de Emaús aparece como um reflexo da situação de muitos cristãos do nosso tempo. Parece que a esperança da fé fracassou. A própria fé entra em crise, por causa de experiências negativas que nos fazem sentir abandonados pelo Senhor. Mas este caminho de Emaús em que estamos, pode se converter então em caminho de purificação e amadurecimento da nossa fé em Deus. Também hoje podemos entrar em diálogo com Jesus, escutando sua Palavra. Também hoje Ele parte o pão para nós e se entrega como nosso pão. O nosso encontro com Cristo Ressuscitado é possível também hoje, quando nos encontramos ao redor do altar e nos alimentamos da Palavra de Deus e da Sua presença real na Eucaristia.
Na sequência do relato evangélico, o autor ressalta a presença de Jesus, que se faz companheiro de viagem destes discípulos em caminhada, interroga-os sobre o que se passou nestes dias em Jerusalém, escuta as suas preocupações, torna-se o confidente das suas frustrações. Os dois homens contam a história do Mestre, cuja proposta os seduziu; mas a versão que relatam termina no túmulo: falta a fé no Senhor ressuscitado.
Quando Jesus se aproxima dos caminhantes, eles não têm olhos para reconhecê-lo, porque a desilusão lhes perturba o espírito. Nem sequer as notícias do sepulcro vazio e de sua ressurreição, anunciada pelos anjos, constatada por Maria Madalena e as verificações posteriores do fato foram capazes de fazer brotar neles a esperança. Os discípulos de Emaús se sentem tristes e derrotados. Estão eles desanimados e sem vida. Não acreditam e nem esperam mais nada.
Os três, Jesus, Cléofas e o discípulo não identificado, chegam, finalmente, à aldeia de Emaús. Os discípulos continuam a não reconhecer Jesus, mas o convidam a ficar com eles: “Fica conosco Senhor!”. A noite e os perigos da estrada são os pretextos dos dois discípulos para ficar na segurança transmitida por aquele homem, que imediatamente aceita o convite, pois sabe que a hora de revelar toda verdade aos discípulos se aproxima: o momento da partilha do pão.
Enquanto comiam, “Jesus tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus” (v. 30-31). Estas palavras usadas pelo evangelista São Lucas para descrever os gestos de Jesus evocam a celebração eucarística da Igreja primitiva. Dessa forma, São Lucas recorda aos membros da sua comunidade que é possível encontrar Jesus vivo e ressuscitado e que continua a fazer-se companheiro dos homens nos caminhos de sua história.
Neste texto evangélico é possível também constatar a estrutura da Santa Missa: na primeira parte, a escuta da Palavra através da Sagrada Escritura; na segunda, a liturgia eucarística e a comunhão com Cristo presente no Sacramento do seu Corpo e do seu Sangue. O evangelista, para contar o que os discípulos de Emaús narram, utiliza uma expressão que, na Igreja primitiva, possuía um preciso significado eucarístico: “O tinham reconhecido ao partir o pão” (v. 35). É neste momento decisivo que os olhos dos discípulos se abrem e eles reconhecem Jesus (v. 31). A partir de então é supérflua a presença física de Jesus entre eles. Jesus desaparece porque a comunidade possui os dois sacramentos da Sua presença: a Palavra e a Eucaristia. Basta viver isto para sentir o Cristo vivo em nosso meio.
Na última cena da nossa história os discípulos a retomam o caminho, regressam a Jerusalém e anunciam aos irmãos que Jesus está, efetivamente, vivo. Há um grande esforço que deve ser realizado para que cada cristão se transforme em testemunha, a anunciar com vigor e com alegria o acontecimento da morte e da ressurreição de Cristo. Ao fazer a experiência do encontro com Cristo vivo e ressuscitado na celebração eucarística, cada crente é, implicitamente, convidado a voltar à estrada, a dirigir-se ao encontro dos irmãos e a testemunhar que Jesus está vivo e presente na história e na caminhada dos homens.
Em nossa caminhada pela vida fazemos frequentemente a experiência do desencanto, do desalento, do desânimo, como ocorreu inicialmente com os discípulos de Emaús. As crises, os fracassos, o desmoronamento daquilo que julgávamos seguro e em que apostamos tudo, bem como a falência dos nossos sonhos, nos deixam frustrados, perdidos, sem perspectivas. Então, parece que nada faz sentido e que Deus desapareceu do nosso horizonte. No entanto, de acordo com o evangelho deste domingo, mesmo diante das dificuldades e dos temores, Jesus, vivo e ressuscitado, caminha ao nosso lado. Ele é esse companheiro de viagem que encontra formas de vir ao nosso encontro, mesmo que nem sempre sejamos capazes de reconhecê-lo imediatamente, mas só Ele pode encher o nosso coração de esperança.
E assim como os discípulos de Emaús, possamos também dizer: Fica conosco, Senhor, nos acompanhe ao longo do nosso itinerário. Ficai conosco, porque ao redor de nós as sombras vão se tornando mais densas e necessitamos da sua luz para iluminar o nosso caminho. Ficai conosco, Senhor, se porventura ao redor de nossa fé surgirem as névoas da dúvida, do cansaço ou da dificuldade. Iluminai todos os dias as nossas mentes com tua Palavra.
Fica conosco Senhor e sede a força a nos sustentar perante as dificuldades cotidianas, venha em nosso auxílio e fortalecei cada um de nós, diante das provações e dos sofrimentos que porventura vierem surgir. Ficai conosco Senhor, nos momentos de desânimo, nos momentos de decepção. Fica conosco no entardecer da nossa vida. Acompanha-nos, como fizeste com os discípulos de Emaús, no nosso caminho pessoal e familiar. Abri os nossos olhos, para que saibamos sempre reconhecer os sinais da tua presença.
Intercedei também por nós a Virgem de Nazaré, para que cada cristão e cada comunidade, revivendo a experiência dos discípulos de Emaús, redescubra a graça do encontro transformador com o Senhor Ressuscitado. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ