VI Domingo de Páscoa – Ano B
O Mandamento do Amor
É verdadeiramente comovedora e impressionante a insistência com que Jesus recomenda aos Seus discípulos, no discurso da Última Ceia, o amor mútuo. Pretende, exclusivamente, construir entre eles uma comunidade compacta, fundamentada no amor, onde todos se sintam como irmãos e vivam uns para os outros. Isso não significa restringir o amor ao ambiente cristão; antes, pelo contrário: quanto mais incorporados no amor de Cristo, tanto mais disponíveis estarão para levar este amor a todos os homens. Como poderiam os cristãos serem mensageiros do amor no mundo, se não se amassem uns aos outros? Eles devem manifestar com o seu comportamento que Deus é amor e que, unidos a ele, aprendem a amar; que o Evangelho é amor e que, não em vão, Cristo ensinou aos homens o amor mútuo; que o amor, alicerçado em Cristo, vence todas as dificuldades e diferenças, anulando distâncias, egoísmos, rivalidades, discórdias. Tudo isso convence e atrai mais à fé do que outro meio e é parte essencial daquela fecundidade apostólica que Jesus espera dos seus discípulos, aos quais afirmou: “… Eu vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16). Só aquele que vive no amor pode dar ao mundo o precioso fruto do amor.
“Designei para que produzais fruto…”. Trata-se de uma palavra dirigida de modo específico aos Apóstolos, mas, em sentido lato, diz respeito a todos os discípulos de Jesus. A Igreja inteira, todos nós somos enviados pelo mundo para anunciar o Evangelho e a salvação. Mas, a iniciativa é sempre de Deus, que chama para os múltiplos ministérios, a fim de que cada um desempenhe a própria função em vista do bem comum. Chamados ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada, à vida conjugal, ao compromisso no mundo, a todos é pedido que respondam com generosidade ao Senhor, sustentados pela sua Palavra que nos tranquiliza: ”Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi …”
“Este é o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros…” (Jo 15, 12).
Os mandamentos de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo nos amarram e nos protegem do canto das sereias do egoísmo, das paixões desordenadas, de naufragar o barco da fé.
Recorda-nos São João: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. Nisso consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou…” (1Jo 4,9-10). Deus amou-nos por primeiro, e não apenas uma vez, ao começo, senão sempre, cada dia, em cada momento. Por esse amor é que podemos alcançar a força para amar a Deus, ao próximo, e para obtermos o perdão cada vez que falhamos.
O amor verdadeiro não quer ser volúvel, não quer cansar de amar, vive para o amor. O dever de amar tira do amor o volúvel e o ancora na eternidade. O dever de amar resguarda o amor do desespero e o faz independente das circunstâncias e dos sentimentos. Quem ama é muito feliz de dever amar, pois sabe que assim encontra mais realização e felicidade. Unicamente quando existe o dever de amar, o amor está garantido contra toda variação.
O dever de amar, ser fiel ao compromisso do amor, protege-o não só de cansar-se e voltar atrás, mudando o objeto do amor, porém protege de outro mal: acostumar-se, acomodar-se, extinguindo a alegria e o entusiasmo do amor. O dever de amar é renovado cada dia, diferentemente do instinto, da atração natural, que vai e vem e se debilita com o passar do tempo.
Nosso Senhor insiste: “Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor. Eu vos disse isso, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena” (Jo15,9-11). Isso constitui um programa muito positivo, viver continuamente no amor. Amor efetivo, constante, fiel e generoso, que se manifesta em obras, senão seria um amor ilusório.
E, todavia, esse amor, todo projetado para frente, isto é, para aquele que devemos amar, não exclui a permuta e a gratidão, ou seja, amar aquele pelo qual fomos amados. O Filho ama o Pai (e com que amor!) e pede para ser amado por nós: Perseverai – diz com insistência – no meu amor, e o apóstolo Paulo exclama: “Se alguém não ama o Senhor, seja excluído” (1Cor 16,22). Só que esta permuta e este amor se expressam exatamente doando a outro o amor recebido.
A importância do mandamento novo brota mesmo daqui e João o evidencia, insistindo sobre este mais do que sobre os outros planos de amor: amai-vos uns aos outros, faz-nos Jesus repetir (Evangelho), e amemo-nos uns aos outros, diz-nos ele mesmo (segunda leitura). Se não se dá este último passo – de nós aos irmãos – a longa cadeia de amor, que desce de Deus Pai, fica como que suspensa no vazio. O amor chega perto, todavia não nos toca; ficamos fora de seu fluxo, fora, portanto, da vida e da luz, porque, quem não ama, permanece na morte (1Jo 3, 14). São Paulo, que teceu o mais alto elogio do ágape, fá-lo consistir todo neste amor de doação que se manifesta no perdão, na humildade, na generosidade, no serviço, na benignidade, na confiança e na paciência: “O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo” (1Cor 13, 4 – 7).
Aquilo que a Palavra de Deus quis nos dizer, até aqui, parece, portanto, resumir-se numa frase: “para ser amados precisamos amar”. Para receber amor do Pai e Jesus Cristo precisamos doar amor aos irmãos. Entretanto, percebemos que essa é uma conclusão pela metade, fácil demais de se compreender, mas também difícil demais de atuar; “pelagiana” demais, em certo sentido, para ser cristã. (O “poder fazer” do homem parece, com efeito, preceder o dom e a graça de Deus).
Na realidade, o verdadeiro paradoxo cristão consiste em acrescentar esta outra verdade: para amar precisamos ser amados. João – o discípulo que Jesus amava – compreendeu por experiência que só quem é amado é capaz de amar e escreveu, por isso, em sua carta: Amamos, porque Deus nos amou primeiro (1Jo 4,19), (por primeiro, entende-se: não uma vez só, no início, mas continuamente, porque Deus é sempre, em cada instante, aquele que ama primeiro e que precede a criatura).
Agradeçamos a Deus por nos ter dado participar de seu projeto de amor, por nos ter dado mandamentos, para não errarmos o caminho do Céu. Por nossa Mãe do Céu, peçamos mais graças para sermos mais fiéis ao verdadeiro amor. Afinal, como ensina São Paulo: “Quem poderá nos separar do amor de Cristo” (Rm 8, 35-39).
Mons. José Maria Pereira