Domingo de Ramos
Atitudes corretas
Hoje começa a Semana Santa, uma oportunidade que a Igreja nos oferece para que estejamos bem unidos aos mistérios centrais da vida de Jesus Cristo. Acompanharemos o sofrimento de Jesus e nos alegraremos com a sua glória. Talvez seja interessante ter uma perspectiva através da qual olhar o mistério pascal de Cristo: alguns procurarão ter as atitudes de Nossa Senhora, outros procurarão fazer as vezes de São José, outros ainda pedirão a fidelidade de João, alguns suplicarão o paraíso com o chamado “bom ladrão”, muitos reconhecerão a divindade de Jesus como o soldado que estava aos pés da cruz do Senhor, outros finalmente chorarão como a Madalena. Nessas horas supremas não podemos ser traidores quais Judas, tampouco podemos fazer como os escribas e os sumos sacerdotes que “buscavam algum meio de prender Jesus à traição para matá-lo” (Mc 14,1).
Qual vai ser a sua atitude? Na terceira semana da quaresma, numa das leituras semanais se falava da animadversão que os da sinagoga começavam a ter para com Jesus: “Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício” (Lc 4,29). Diante dessa atitude, o Evangelho deixa bem claro que “Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4, 30). Cristo estará passando bem perto de nós durante essa Semana Santa. Será que também nós o deixaremos continuar o seu caminho sem deter-se diante das nossas necessidades espirituais? Está nas nossas mãos!
Nesse Domingo de Ramos seria bom que trabalhássemos as nossas atitudes, que pensássemos diante de Deus sobre as disposições do nosso coração, que nos abandonássemos em suas mãos deixando que Deus atue cada vez mais nas nossas vidas, principalmente durante essa semana de abundantes bênçãos.
Atitudes? Referem-se às nossas posturas diante das pessoas ou das coisas. Geralmente, toda ação causa em nós uma reação. E são as nossas reações que vão delineando o nosso caráter, que nos vão fazendo pessoas boas ou más. Isto é, as nossas ações não são simplesmente atos bons ou maus, mas com elas nós mesmos nos tornamos pessoas boas ou más. As nossas atitudes mostram a medida da nossa humanidade e, também, da nossa divinização em Jesus Cristo.
Quem adota uma atitude que se resume na acolhida de Cristo tem que concretizá-la na jornada de cada diz. São Josemaría Escrivá expressava-o de maneira magistral: “o nosso caminho é o corrente: santificar as ações vulgares e comuns de cada dia…, fazer decassílabos, verso heroico, da prosa diária”. Durante essa semana, procuraremos santificar essas ações vulgares. Não nos enganemos porque também a nossa penitência é vulgar, é comum: coisas pequenas feitas por pessoas que podem oferecer a Deus essa pequenez. A amabilidade, a generosidade e humildade são disposições, atitudes, virtudes a serem cultivadas durante essa semana santa. Para melhor acolhermos a graça de Deus nas nossas vidas, não nos esqueçamos de que Deus também pede de nós o esforço para abrirmo-nos aos outros: será preciso convidá-los a rezar conosco nesta semana, estar atentos às suas necessidades materiais e espirituais, ajudar alguém a entrar no caminho de Deus.
Uma última coisinha: não percamos as celebrações litúrgicas da Semana Santa, principalmente a Vigília Pascal, que é a máxima celebração do Ano Litúrgico da Igreja. Convidemos os nossos amigos a participarem também. Quem sabe não será essa a grande oportunidade que muitos terão para aproximarem-se de Deus?
Não vamos perder oportunidade de viver o tempo presente dando muito atenção a Deus e aos demais. O seguinte relato pode nos inspirar a tomar algumas atitudes. Cito o texto de Cristina Moraes Vojvodic em “Retratos de Família”:
“A princípio, mal notou o movimento dentro do carro ao lado, entretido como estava com seus próprios pensamentos, mas a insistência foi tanta que acabou por se voltar para ver o que era. Um menino, lá pelos seus dois anos de idade, acenava um adeusinho, provavelmente cansado da sua prisão sobre quatro rodas. Consciente ou inconscientemente, recusou-se a permitir essa ”invasão” e ignorou a criança. Sim, suas metas estavam muito bem estabelecidas e nada nem ninguém poderiam impedi-lo de alcançá-las.
“O menino não desistia. Melhor não retribuir o gesto, pois aí é que ele não pararia mais. Seus filhos, ele bem se lembrava, eram assim mesmo quando pequenos. Andar. Ótimo; agora ficaria longe do pequeno e inoportuno vizinho. Parar. Qual! Lá estava ele, com seu sorrisinho e seu incansável “tchau”… Igualzinho a seus filhos… não! Os anos haviam passado e seus filhos eram maiores, já não achavam graça nisso. Aliás, não achavam graça em coisa alguma, ou quase. Pareciam uns perfeitos adultinhos, exigentes, enfadados, descontentes e irônicos. Experimentou certo desconforto ao pensar nisso, mas não era culpa sua.
“Quando havia ocorrido a transformação em seu re lacionamento com os filhos? No começo, havia sido bom – é fácil contentar os pequenos -, mas gradativamente os filhos tinham-se tornado verdadeiros estranhos; não buscavam a sua companhia; não o procuravam nos poucos momentos de que dispunha. Olhou rapidamente para o lado e viu que o menininho ainda tentava chamar a sua atenção. Já não sorria… Já não acenava. Agora batia no vidro, impacientemente.
“Lá se foi o menino… Que decepção deve sentir uma criança que se vê ignorada! Será que os seus próprios filhos lhe haviam acenado durante esses anos todos sem que ele os notasse, ou, pior ainda, percebendo que o faziam sentir-se incomodado, “invadido”? Será que a única coisa que, em silêncio, tinham insistido em receber era a sua atenção? Que decepção deviam sentir! Talvez fosse tarde para procurá-los. Talvez já não quisessem a sua companhia. Ele mal os conhecia. Haveria algum modo de atingi-los?
“Novo movimento no tráfego, e mais uma vez o menino do carro ao lado estava a olhá-lo, quieto, a testa grudada na janela.
“Sentiu-se um pouco ridículo de acenar assim, sozinho no carro, com um gesto pouco espontâneo, meio contido. Se alguém o visse iria rir. Que rissem! Já acenava agora com um pouco mais de ânimo e, quando deu por si, estava até sorrindo. Do outro lado, o menininho demorou um pouco a reagir, como que duvidando do que via, mas logo abriu o rosto em uma risada e, com toda a alegria, acenou furiosamente para o seu novo amigo. E assim continuaram por alguns minutos em sua muda comunicação, até que o trânsito os separou definitivamente.
“Nada havia acontecido, de fato. Tudo continuava igual, mas uma vaga sensação de contentamento se infiltrou em sua mente. Quem sabe seus filhos ainda quisessem tentar encontrá-lo!”
Acaso não estará Deus acenando para nós nesta Semana Santa esperando a nossa resposta afirmativa e decidia a segui-lo cada vez mais intensamente e com atitudes bem concretas?
Pe. Françoá Costa