Is 60,1-6 – Sl 71 – Ef 3,2-3a.5-6 – Mt 2,1-12
Celebramos hoje a solene Manifestação, a sagrada Epifania do Senhor. Como dizia Santo Agostinho, “celebramos, recentemente, o dia em que o Senhor nasceu entre os judeus; celebramos hoje o dia em que foi adorado pelos pagãos. Naquele dia, os pastores o adoraram; hoje, é a vez dos magos”. A festa deste dia é nossa, daqueles que não são da raça de Israel segundo a carne, daqueles que, antes, estavam sem Deus e sem esperança no mundo! Hoje, Cristo nosso Deus, apareceu não somente como glória de Israel, mas também como “luz para iluminar as nações” (Lc 2,32). Hoje, começou a cumprir-se a promessa feita a nosso pai Abraão: “Por ti serão benditos todos os clãs da terra” (Gn 12,3).
Na segunda leitura desta Missa, São Paulo nos falou de um Mistério escondido e que agora foi revelado: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho”. Eis: com a visita dos magos, pagãos vindos de longe, é prefigurado o anúncio do Evangelho aos não-judeus, aos pagãos, aos que desconheciam o Deus de Israel. Ainda Santo Agostinho, explicando o mistério da festa hodierna, explicava muito bem: “Ele é a nossa paz, ele, que de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14). Já se revela qual pedra angular, este Recém-nascido que é anunciado e como tal aparece nos primórdios do nascimento. Começa a unir em si dois muros de pontos diversos, ao conduzir os pastores da Judéia e os Magos do Oriente, a fim de formar em si mesmo, dos dois, um só homem novo, estabelecendo a paz. Paz para os que estão longe e paz para os que estão perto”. É este o sentido da solenidade da santa Epifania do Senhor!
Hoje, cumpre-se o que o profeta Isaías falara na primeira leitura: “Levanta-te, Jerusalém, acende as luzes, porque chegou tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor! Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti! Levanta os olhos ao redor e vê: será uma inundação de camelos de Madiã e Efa; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor!” Mas, estejamos atentos, porque a festa de hoje esconde um drama: a Jerusalém segundo a carne não reconheceu o Salvador: “O rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém”. Ela conhecia a profecia, mas de nada lhe adiantou, pela dureza de coração. É na nova Jerusalém, na Igreja, que somos nós, na nossa Mãe católica, que esta profecia de Isaías se cumpre. É a Igreja que acolherá todos os povos, unidos não pelos laços da carne, mas pela mesma fé em Cristo e o mesmo batismo no seu Espírito.
Que contraste, no Evangelho de hoje! Jerusalém, que conhecia a Palavra, não crê e, descrendo, não vê a Estrela, não vê a luz do Menino. Os magos, pagãos, porque têm boa vontade e são humildes, veem a Estrela do Rei, deixam tudo, partem sem saber para onde iam, deixando-se guiar pela luz do Menino… e, assim, atingem o Inatingível e, vendo o Menino, reconhecem nele o Deus perfeito: “ajoelharam-se diante dele e o adoraram”. Com humildade, oferecem-lhe o que têm: “Abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra”: ouro para o Rei, incenso para o Deus, mirra para o que, feito homem, morrerá e será sepultado! Os magos creem e encontram o Menino e “sentiram uma alegria muito grande”. Herodes, o tolo, ao invés, pensa somente em si, no seu título, no seu reino, no seu poder… e tem medo do Menino! Escravo de si e prisioneiro de suas paixões, quer matar o Recém-nascido! A Igreja, na sua liturgia, zomba de Herodes e dos herodes, e canta assim: “Por que, Herodes, temes/ chegar o Rei que é Deus?/ Não rouba aos reis da terra/ quem reinos dá nos céus!”. Que bela lição, que mensagem impressionante para nós: quem se deixa guiar pela luz do Menino, o encontra e é inundado de grande alegria, e volta por outro caminho. Mas, quem se fecha para esta luz, fica no escuro de suas paixões, na incerteza confusa de suas próprias certezas, tão ilusórias e precárias… e termina matando e se matando!
Que nós tenhamos discernimento: não procuremos esta Estrela do Menino nos astros, nos céus! Não perguntemos sobre ela aos astrônomos, aos cientistas, aos historiadores. Sobre essa luz, sobre essa Estrela bendita, eles nada sabem, nada têm a dizer! Procuremo-la dentro de nós: o Menino é a Luz que ilumina todo ser humano que vem a este mundo! No século I, Santo Inácio de Antioquia já ensinava: “Uma estrela brilhou no céu mais do que qualquer outra estrela, e todas as outras estrelas, junto com o sol e a luz, formaram um coro, ao redor da estrela de Cristo, que superava a todas em esplendor”. É esta luz que devemos buscar, esta luz que devemos seguir, por esta luz devemos nos deixar iluminar! São Leão Magno, no século V, já pedia aos cristãos: “Deixa que a luz do astro celeste aja sobre os sentidos do teu corpo, mas com todo o amor do coração recebe dentro de ti a luz que ilumina todo homem vindo a este mundo!”. E, também no mesmo século V, São Pedro Crisólogo, bispo de Ravena, falava sobre o mistério deste dia: “Hoje, os magos que procuravam o Rei resplandecente nas estrelas, o encontram num berço. Hoje os magos veem claramente, envolvido em panos, aquele que há muito tempo procuravam de modo obscuro nos astros. Hoje, contemplam, maravilhados, no presépio, o céu na terra, a terra no céu, o homem em Deus, Deus no homem e, incluído no corpo pequenino de uma criança, aquele que o universo não pode conter. Vendo-o, proclamam sua fé e não discutem, oferecendo-lhe místicos presentes. Assim, o povo pagão, que era o último, tornou-se o primeiro, porque a fé dos magos deu início à fé de todos os pagãos!”
Quanta luz, na festa de hoje! E, no entanto, é preciso que compreendamos sem pessimismo, mas também sem ilusões diabólicas, que este mundo vive em trevas: “Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos…” Que tristeza tão grande, constatar que as palavras do Profeta ainda hoje são tão verdadeiras… “Mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti”. Não são trevas as tantas trevas da realidade que nos cerca? Não são trevas a violência, a devassidão, a permissividade, as drogas, a exacerbação da sensualidade? Não são trevas a injustiça, a corrupção e a impiedade? Não é treva densa o comércio de religiões, o coquetel de seitas, a perseguição à Igreja, o uso leviano e interesseiro do Evangelho e do nome santo de Jesus? Não é treva medonha a dissolução da família, a relativização e esquecimento dos valores mais sagrados e da verdade da fé?
Deixemo-nos guiar pela Estrela do Menino, deixemo-nos iluminar pela sua luz! Com os magos, ajoelhemo-nos diante daquele que nasceu para nós e está nos braços da sempre Virgem Maria Mãe de Deus: ofereçamos-lhe nossos dons: não mais mirra, incenso e ouro, mas a nossa liberdade, a nossa consciência e a nossa decisão de segui-lo até o fim. Assim, alegrar-nos-emos com grande alegria e voltaremos ao mundo por outro caminho, “não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus e não procureis satisfazer os desejos da carne. Deixemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,13.12).
Terminemos com o pedido que a Igreja fará na oração após a comunhão: “Ó Senhor, guiai-nos sempre e por toda parte com a vossa luz celeste, para que possamos contemplar com olhar puro e viver com amor sincero o mistério de que nos destes participar!” Amém.
Dom Henrique Soares da Costa